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segunda-feira, agosto 20, 2012

Bruxas

Quase 40º de calor não me impediram de comprar ontem, num "bouquiniste" à beira do Sena, um velho "Livre de poche" com "As Bruxas de Salem", que há minutos acabei de reler. 

Ao meu lado, um cidadão olhou de soslaio a minha aquisição dessa bela peça teatral, a qual demonstra, a quem o não souber, que Arthur Miller é bem mais do que o marido de Marylin Monroe, de quem muito se fala por estes dias. O homem do cais tinha ar de eslavo. Será que não há uma edição russa da obra? Bem falta fazia por lá...

sexta-feira, agosto 17, 2012

Retrato

Numa série de retratos de vários países, desenhados em escrita através da obra de autores nacionais, o "Le Monde" de hoje, sob o título "Le Portugal ne rêve plus" (sem link), debruça-se, numa página inteira, sobre a obra de Francisco José Viegas, recortando passagens do anti-herói dos seus livros policiais. 

Sem a menor surpresa, pelo texto perpassa um olhar melancólico sobre um país que alguma França não deixa de ver projetado num fundo de fado e tons sombrios. Tenho a sensação de que, para as "idées reçues" de muitos, Portugal, depois do tempo dos "bidonvilles" e das varinas do SNI, seguido do sobressalto político festivo de 74, regressou à velha caricatura da pátria da eterna nostalgia, desde sempre encalhada num passado que lhe tolhe o presente. É nesse país imaginário, que tem o sol por alegria e a tristeza por destino, que, para um certa França intelectual, encaixa hoje bem a estranheza interrogativa que Pessoa lança sobre essa gente de ambição contida e rumo incerto. Que somos (somos?) nós.

quinta-feira, agosto 16, 2012

Robert Bréchon (1920-2012)

Quando cheguei a Paris, em 2009, alguém me disse que Robert Bréchon era "um radical pessoano". Na altura, apenas conhecia de nome esse lusófilo que um dia escreveu que "é através de Pessoa que Lisboa entra verdadeiramente na literatura universal".

Portugal deve imenso àqueles que, no estrangeiro, se apaixonaram pela sua cultura e que na respetiva promoção ocuparam grande parte da sua vida. Bréchon, que há dias nos deixou, nasceu para a língua portuguesa no Brasil, quando aí trabalhou pela cultura francesa. Depois, quando viveu em Lisboa, onde fez um trabalho notável à frente do Instituto francês, soube abrir-se às correntes intelectuais portuguesas, de diversa orientação. Foi por Lisboa que "descobriu" Pessoa, tendo mais tarde, com Eduardo Prado Coelho, sido responsável pela edição, na Christian Bourgois, das "Oeuvres de Fernando Pessoa". Tornou-se um dos grandes especialistas internacionais na obra do poeta, sobre a qual publicou vários trabalhos.

Mas muito mais lhe ficamos a dever, numa dedicação que merece a nossa homenagem e o nosso reconhecimento. 

sábado, julho 21, 2012

Ora Eça!

"Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo", dizia Jacinto, encantado com a feliz descoberta da simplicidade. Lá estive hoje, em Tormes, a ver a mesa onde Eça/Jacinto comeu um dia o celebrado arroz que o reconciliou com as favas.

Para quem possa fazê-lo, recomendo vivamente uma visita à casa de Tormes, onde hoje está a Fundação Eça de Queiroz, perto de Baião, se possível acompanhada por uma leitura calma, no local, das páginas que, em "A cidade e as serras", o escritor dedicou à paisagem e ao ambiente rústico que o terá impressionado, há quase um século e meio. Eça ter-se-ia porventura indignado com muitas edificações de discutível gosto que hoje pontuam a serra, mas, mesmo assim, a vista permanece soberba. Dê-se também um salto à estação de Aregos/Tormes, onde já não pontifica o Pimentinha e onde o Silvério, pela certa, nos não esperará. E, por gratidão e respeito por quem nos proporcionou o prazer dessa escrita ímpar, não se esqueça de deixar uma flor na campa de Eça de Queirós, no pequeno cemitério de Santa Cruz do Douro.

Tenho um amigo que costuma dizer, com alguma sobranceria, que gostar de Eça de Queirós é uma das mais banais expressões culturais de qualquer português. Pode ser que assim seja, mas, nesse caso, eu vergo-me sem custo a "eça" banalidade.

(Este post é dedicado ao meu amigo e incomparável queirosiano Luis Santos Ferro)  

segunda-feira, maio 28, 2012

Grécia

Na Grécia, o povo votou e os políticos que escolheu consideraram-se incapazes de gerar uma solução governativa que permitisse impor as reformas que ajuda externa hoje exige. Por essa razão, a Grécia regressa, daqui a dias, às urnas, na esperança de que o povo grego reveja o seu sentido de voto e faça uma escolha diferente. 

E se não o fizer? E se o sentido desse voto confirmar a não aceitação das políticas de rigor que, há mais de dois anos, estão a ser impostas ao país, sem que, no entanto, os gregos vejam uma luz de esperança, ao fundo do túnel de sofrimento que atravessam?

Ontem, um português, amigo de há mais de meio século, que vive na Grécia, deixou-me no Facebook a mensagem: "por aqui vai tudo mal, mas ainda vai ser pior".

E juntou-lhe um poema de Gunter Grass, que ele próprio traduziu:

                         "A vergonha da Europa"

À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.

O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.

Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.

À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura.

Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.

País a custo tolerado cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.

Terra sem direitos a quem o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.

Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.

Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.

Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários,
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.

Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.

Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa,
murcharás estupidamente.

quinta-feira, maio 10, 2012

Chandeigne

Desde há algumas semanas, a Librairie Portugaise et Brésilienne, de Michel Chandeigne, tem novas instalações, no 19/21 rue des Fossés Saint Jacques, Place de Estrapade, 75005 Paris, numa zona próxima do seu antigo endereço, também na zona do Panthéon. Aí pode ser encontrada uma muito boa oferta de títulos em língua portuguesa, originários de vários países, bem como de traduções francesas de muitas obras das culturas que se expressam na nossa língua.

Michel Chandeigne é uma personalidade a quem a cultura portuguesa em França muito deve, quer através das edições que promove, quer pelo trabalho desenvolvido na livraria, quer, igualmente, por toda a difusão da História e da cultura portuguesa que tem feito, em múltiplas conferências e palestras.

sexta-feira, maio 04, 2012

Eça em Paris

Eça de Queiroz, recém-chegado a Paris, habitou, durante cerca de dois anos, no nº 5 da rue Crevaux (na imagem), numa zona próxima da nossa embaixada.

Até agora, essa é a única das moradas do escritor na capital francesa onde a sua memória não está assinalada. A falha vai ser corrigida, espero, dentro de pouco tempo. Depois de algumas peripécias, conseguiu-se obter autorização dos proprietários do prédio para nele afixar a devida placa.

Será que, perante tantou outros problemas para resolver, a questão da memória da cultura nas paredes tem alguma importância, perguntar-se-ão alguns leitores? Claro que tem! Ora Eça!

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Ainda Paulo Coelho



A obra do escritor brasileiro Paulo Coelho, pessoa de quem aqui falei e que vive em Paris grande parte do seu tempo, é vista com algumas reticências, e até sobranceria, por parte de muitos amigos meus do Brasil. Isso não obstante ele integrar já a prestigiada Academia Brasileira de Letras e, a grande distância, ser o autor brasileiro com maior sucesso editorial em todo o mundo.

Sinto, contudo, que essas pessoas ficam desconfortáveis com a ideia de que Paulo Coelho possa ser identificado, pelos estrangeiros, com um escritor representativo da moderna literatura brasileira.

A esses amigos, eu recomendo que tenham uma atitude idêntica àquela que, ao longo da vida, sempre adotei em relação a um grande produto da nossa exportação, que não aprecio, o Mateus Rosé: não consumo mas promovo sempre com o maior empenho, por ser um produto nacional. E até ofereço em casa.

Voltando a Paulo Coelho, recomendo sobretudo que não digam a já clássica mas frágil frase: não li e não gosto.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Ora Eça!

Custou, mas foi! Já consegui arranjar - não me perguntem como! - a verba necessária para poder mandar compor a placa que, na avenue de Roule, em Neuilly, assinala a casa onde viveu e morreu Eça de Queiroz, e que estava praticamente ilegível, como aqui se assinalou. 

Espero, dentro de algum tempo (em França, estas coisas demoram muito tempo, podem crer), poder trazer uma fotografia da placa renascida, oferecida pela Escola de Belas Artes do Porto e aí colocada em 14 de setembro de 1950, pelo então embaixador de Portugal em França, Marcello Mathias.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Lisboa em Pessoa

Desenho de João Beja

Ontem, fui inaugurar, na Sorbonne (Paris 3) uma exposição fotográfica, organizada no âmbito da deslocação de cerca de 40 alunos a Lisboa, que retratava o seu olhar pelos lugares de Fernando Pessoa na capital portuguesa.

Confesso que, por vezes, ainda me impressiona a força desta internacionalização do poeta, a sua universalidade e o modo como a sua mensagem (neste caso, em sentido lato) toca mundos muito diferentes. Tenho visto isso, em diversos lugares do mundo.

Sou de um tempo em que Pessoa, em Portugal, era lido através de umas pouco apelativas edições de capa branca da Ática, já com bastante interesse, mas sem o fulgor que a sua consagração internacional viria a acarretar. Pode não ser confortável reconhecer isto, mas há que aceitar que o Portugal menos erudito "aprendeu" a apreciar Pessoa muito graças ao modo como o mundo exterior o começou a tratar.

Há dias, dei comigo a pensar em Fernando Pessoa, ao olhar para as magníficas paisagens do Douro. Sempre fizeram parte do meu cenário de infância, sempre lá estiveram, mas não éramos educados a atentar nelas. Às vezes, olhamos e apreciamos melhor aquilo que temos quando os outros, de fora, a isso nos conduzem. É pena, mas é verdade. 

sábado, outubro 15, 2011

Pedro Rosa Mendes

Pedro Rosa Mendes é um dos grandes escritores da nova geração da literatura portuguesa. Esta semana, foi-lhe atribuído o prémio narrativa do Pen Club, pelo seu livro "Peregrinação de Enmanuel Jhesus".

Pedro Rosa Mendes era também o correspondente da agência noticiosa Lusa em Paris. Porque acompanho, de há muito, a atividade dos jornalistas que a Lusa tem (cada vez menos) pelo mundo, posso testemunhar que, do trabalho de Pedro Rosa Mendes em França, resultaram algumas das melhores e mais equilibradas "peças" que alguma vez vi escritas em trabalho de agência.

A Lusa, com certeza, não quis ficar atrás do Pen Club e decidiu também "premiar" Pedro Rosa Mendes, cancelando o seu contrato. Não terá sido a "troika" a sugerir, mas já agora...

quinta-feira, outubro 06, 2011

Nobel

Confesso que nunca tinha ouvido falar do novo prémio Nobel da Literatura, hoje anunciado, o poeta sueco Tomas Transtromer. O que, aliás, já me sucedeu, no passado, com outros nomes galardoados com idêntico prémio.

Fiquei a pensar se isso não seria uma imperdoável lacuna cultural da minha parte. E, pelo sim pelo não, durante um almoço de trabalho de que acabo de sair, perguntei ao colega sueco se os nomes de António Ramos Rosa ou de Herberto Hélder lhe diziam alguma coisa. Disse-me que não e sosseguei. Também ele não conhecia dois génios da poesia portuguesa. O meu sossego durou pouco, ao ouvi-lo dizer, logo de seguida, que, como poetas de Portugal, apenas conhecia Fernando Pessoa e Camões. Ora eu não conhecia nenhum poeta sueco (lembrei-me, depois, mas só lá cheguei com ajuda do Google, do nome, mas não da poesia, de Par Lagerkvist)! Mas logo aquietei o espírito com a reconfortante ideia de que, se isso acontece, é seguramente porque a nossa poesia é bem melhor do que a sueca. Deve ser isso! Pena é que ela não conte para o nosso PIB...

Logo à noite, quando for ouvir uma palestra do meu colega português na Unesco, o embaixador Luís Castro Mendes, que "acumula" com o facto de ser um dos grandes poetas contemporâneos de língua portuguesa, vou tirar tudo isto mais a limpo. 

quarta-feira, setembro 28, 2011

BB e David

O franceses habituaram-se a interpretar BB como as iniciais de Brigitte Bardot*. Bertolt Brecht, o genial escritor e teatrólogo alemão, usou as mesmas iniciais no seu magnífico poema "Do pobre BB", que Jorge Palma cantou num álbum de 2005. E, no mesmo registo, há que lembrar BB King, esse génio do jazz que tive o privilégio de ouvir ao vivo, por mais de uma vez.

Portugal tem também o seu BB - as iniciais pelas quais fica identificado Baptista Bastos. Conheci-o pessoalmente há quase 40 anos, quando, pelas tardes, nos encontrávamos num café e bar no topo da então livraria Opinião, na rua da Trindade - eu saído do meu emprego na Caixa, ao Calhariz, ele acabado o seu trabalho no "Diário Popular", também por ali perto. Esse era então um espaço aberto de conversa onde eu me imiscuíra, por via de amigos comuns. Por lá paravam jornalistas, escritores e outros que, como eu, eram meros espetadores atentos da vida intelectual de Lisboa. Com a sua voz bem caraterística, não abandonando a marca pessoal que é o seu laço, Baptista Bastos confirmava, em pessoa, a frontalidade opinativa a que sempre nos viria a habituar no futuro. Passei a lê-lo com regularidade e, depois sempre à distância, a apreciar o seu sentido crítico e a sua postura ética, muito em especial a independência com que sempre preserva a amizade por cima das ideologias. E, também, a sua rara maestria no domínio do português, uma "arma" que utiliza como poucos poucos e cuja "bala" mordaz tem criado engulhos em muitos.

A que propósito lembro BB agora? Porque acabo de ler a magnífica crónica que ele hoje publica no "Diário de Notícias", sobre esse outro grande senhor da literatura portuguesa, que se chamou David Mourão-Ferreira.

Nestes dias de uma "Lisboa contada pelos dedos", em que há cada vez mais "Gaivotas em terra", haveria grande proveito em que se lesse e relesse esses dois grandes escritores.

* que hoje faz 77 anos

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Paulo Castilho

Paulo Castilho não é um escritor regular. Passam-se anos sem que apareça um romance seu. Contudo, nunca desilude. Esse é o caso de "Domínio Público", recentemente editado.

Trata-se de uma trama lisboeta, muito bem escrita, com uma linguagem que revela uma cuidada atenção ao discurso quotidiano contemporâneo. Tal como em anteriores obras, Castilho mostra que, em especial, lê muito bem o pensamento das personagens femininas, sem, no entanto, se deixar subordinar à tentação fácil da mera transcrição da oralidade "modernaça", como acontece em certas escritas de uma sub-literatura urbana que por aí anda, à procura desesperada de um novo realismo pintado de tons chocantes.  

Paulo Castilho é diplomata. Há hoje muito poucos diplomatas que se dedicam à escrita de ficção. Além dele, apenas Marcello Mathias e Luis Filipe Castro Mendes publicam obras com alguma regularidade. Mas todos, sem exceção, com elevada qualidade, como a crítica sempre reconhece. O que é, "corporativamente", uma constatação muito agradável. 

domingo, julho 31, 2011

Lídia Jorge

Já passava das três da manhã quando, num "zapping", surgiu na SIC Notícias uma conversa de Lídia Jorge com António José Teixeira. Fiquei a ver e ouvir até às quatro. Com grande proveito.

Lídia Jorge é uma intelectual atípica. Fala sobre as coisas com uma desarmante sinceridade, sem aqueles falsos improvisos, recheados de frases feitas (e testadas), que alguns dos seus colegas escritores utilizam, para se darem ares de grande originalidade, em especial quando são chamados a pronunciarem-se sobre temas do quotidiano. Há uma candura quase provocatória naquilo que diz, na forma simples, mas ao mesmo tempo profunda, como olha à sua volta, à nossa volta.

À inteligência das questões colocadas pelo António José Teixeira, a escritora não retorquiu com circunlóquios, mesmo quando os temas eram delicados e a curiosidade do entrevistador se mostrava intrusiva, como ´no da política interna da atualidade. Respondeu sempre, serena, genuína, revelando dúvidas, interrogando-se. E ajudando a interrogarmo-nos.

Há muito que gosto de ouvir e ler Lídia Jorge falando de nós, dos portugueses, com uma postura crítica sem auto-flagelação, com uma compreensão por onde perpassa a subliminar tristeza, que também nos é comum, de que tudo "tenha de ser assim". É a atitude de alguém que percebe o país, mas que não desiste dele, que não se refugia numa espécie de desespero cívico.

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que muitos de quantos possam assistir a esta entrevista sentir-se-ão identificados aquilo que Lídia Jorge nela diz.   

Em tempo: Lídia Jorge passou a colaborar, aos sábados e domingos, com umaa notas algarvias no "Público". A julgar pelas primeira, vale a pena não perdê-las. 

domingo, junho 19, 2011

Notas dominicais

1. Há dias, o "Libération" notava, com perplexidade, o silêncio das autoridades da generalidade dos países árabes, mesmo dos novos regimes tunisino e egípcio, perante as atos de barbaridade que estão a ser cometidos pelo regime sírio sobre a sua população.  O caso, segundo o jornal, é tanto mais estranho quanto o regime sírio esteve sempre longe de ser popular no seio do mundo árabe.

2. Foram várias as centenas de portugueses que ontem encheram a catedral de Notre-Dame de Paris, na tradicional missa anual que, desde há alguns anos, aí tem lugar, por ocasião das festas portuguesas em França, nesta época. Notei ser gente de média ou avançada idade, apenas com alguns jovens pelo meio. Há semanas, quando tive a almoçar na Embaixada os sacerdotes que trabalham junto das comunidades portuguesas em Paris e seus arredores, foi-me dado perceber que há uma mudança muito importante no comportamento dos portugueses em França face à religião católica, que não favorece o proselitismo nas novas gerações.

3. Foi há um ano que desapareceu José Saramago. É triste dizê-lo, mas cada vez tenho mais a sensação de que o posicionamento ideológico do grande escritor acabou por ser um fator altamente limitativo da fixação, no imaginário nacional, de um legítimo orgulho que o reconhecimento universal da sua magnífica obra imporia. Mas também acho que José Saramago pouco se importaria com isso. E gostei muito da frase de Leonor Barros, no Delito de Opinião, segundo a qual "os escritores não morrem, apenas deixamos de os ver".

4. A posse do novo governo português, num calendário muito curto, justificado pela excecional situação nacional que se vive, demonstra que ainda há margens de flexibilidade na lei que o bom-senso pode mobilizar. Como cidadão, e fazendo as contas ao tempo de decorreu entre a demissão do primeiro ministro e a data em que o novo governo vai tomar posse, acho que deveria ser feito um urgente esforço interpartidário para refletir neste assunto, para dar uma maior modernidade e eficácia ao quadro legal em que estas coisas se processam. Mas tudo isso teria de ser feito já! Dentro de alguns meses ninguém se lembrará de nada, da insensatez dos prazos previstos na nossa legislação para cada etapa. E, quando houver novas eleições, lá estaremos nós a reclamar de novo! Isto faz-me lembrar os discursos feitos, todos os verões, sobre as medidas a tomar quanto às florestas... que só vamos ouvir de novo quando surgirem os novos fogos. Confesso que sinto grande inveja do Reino Unido, que sempre realiza as suas eleições legislativas numa 5ª feira. Logo no dia seguinte, o novo primeiro ministro vai à raínha e, às 14 horas dessa 6ª feira, apresenta-se no parlamento para o seu primeiro debate*.

5. A França é um país em que a questão da energia nuclear, desde o general de Gaulle, passou a constituir um elemento identitário do seu posicionamento internacional, quer a nível da "force de frappe", quer no tocante ao nuclear com finalidades civis. As preocupações ecológicas e a sua retoma por parte de certas forças políticas tem vindo a abrir um debate, se bem que limitado, sobre o nuclear civil. Porém, e curiosamente, a tragédia japonesa teve escasso impacto no modo como a questão tem sido aqui abordada. Não tenho, contudo, a menor dúvida que a atitude radical do governo alemão, no sentido de abolir a produção nacional de energia nuclear até 2020, pelo impacto que acabará inevitavelmente por ter nas reflexões futuras em matéria de uma eventual política energética à escala europeia, vai, a prazo, potenciar de uma revisitação séria do problema em França.

Em tempo: no Reino Unido, como lembra um comentador, da última vez, excecionalmente, a formação do governo demorou três dias. Uma eternidade...

sexta-feira, junho 10, 2011

Eurico Figueiredo



Na minha adolescência, em Vila Real, o nome de Eurico de Figueiredo identificava um estudante de "ideias avançadas", saído anos antes da cidade, que liderara as lutas académicas lisboetas de 1962 e que, depois de uma agitada passagem pela universidade de Coimbra, se exilara na Suíça. Só o vim a conhecer muito depois do 25 de abril, quando regressou a Portugal para exercer psiquiatria e, posteriormente, para se envolver na ação política, da qual um dia acabou por se cansar - e talvez com razão.

No passado sábado, numa sessão no Governo Civil de Vila Real, tive o prazer de colaborar na apresentação de uma sua obra literária onde, através de textos ficcionados de e-mail, traça os encontros e desencontros de uma geração onde muitos de nós nos podemos rever. Uma escrita que marca o seu regresso à terra de onde um dia partiu.

quarta-feira, junho 08, 2011

Semprún

Hoje, como membro do júri do "Prix des Ambassadeurs" (um prémio literário anual sobre história política, atribuído por um júri constituído por 20 embaixadores acreditados em Paris, escolhidos sob a égide da Académie Française), apresentei um parecer sobre "Le Bolchevisme à la française", de Stéphane Courtois, um livro que é um "pavé" de cerca de 600 páginas, sobre o comunismo em França (já agora: não aconselho o livro). 

Nesse texto, citei, a certo passo, Jorge Semprún, o escritor e político hispano-francês que efetuou um processo de afastamento do PC espanhol e que, a esse propósito, escreveu, entre outros, um livro muito curioso -  "Autobiografia de Federico Sanchez".

No termo da minha intervenção, um colega revelou que Semprún morrera, ontem, aqui em Paris.

Foi por recomendação do António Massano que conheci, nos anos 70, essa obra, creio que editada pela Moraes. A "Autobiografia" foi apenas o primeiro dos vários livros de Semprún que fui lendo ao longo dos anos - sobre o seu tempo de prisioneiro dos nazis, a sua vida no universo clandestino comunista, o seu regresso à Espanha democrática e vários outros temas e pretextos. Se tivesse de recomendar uma única obra de Semprún, eu optaria por "Le mort qu'il faut" (não faço ideia se há tradução portuguesa), sobre a experiência no campo de concentração de Buchenwald.

Pela riqueza da sua vida, Semprún fazia parte daquelas pessoas que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente.

segunda-feira, junho 06, 2011

Poesia diplomática

Não vou poder estar presente na sessão de lançamento das "Lendas da Índia", o novo livro de poesia do meu amigo Luis Filipe Castro Mendes, que será apresentado hoje à tarde na livraria Buchholz, em Lisboa, por Nuno Júdice. Algum embaixador português tem de ficar por Paris...

O embaixador Luís Castro Mendes tem uma ampla obra poética publicada e premiada. Chefia a missão portuguesa junto da UNESCO, em Paris, depois de ter sido embaixador em Budapeste e Nova Delhi. É autor do blogue Tim Tim no Tibete.

Curiosa (e carinhosa) é a nota que um alegado poeta popular português, Reinaldo Azenha de Noisiel, que parece residir em Pont de Sèvres, nos arredores de Paris, deixou na abertura do seu recente blogue "Malta da Rima", a propósito da publicação deste livro.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...