domingo, março 03, 2013

Questão de substância

Era e é um homem simpático, sempre sorridente, com graça e uma boa cabeça. Aquele embaixador, porém, tinha - e imagino que ainda tenha - como vício irritante responder às questões com outra pergunta. Se se inquiria, a propósito de uma determinada atitude do governo do país onde estava acreditado, "o que é que você acha que eles querem?", era muito possível que a resposta fosse "mas a posição deles foi vista como ofensiva?" ou uma coisa do género.

Trata-se, nem mais nem menos, do que mais um cultor da velha "escola" de abstenção opinativa que sempre existiu nas Necessidades. Há colegas que fizeram toda a sua carreira furtando-se habilmente a dizer o que pensavam. Alguns procuram ouvir os interlocutores para, de forma mais ou menos subtil, se colarem ao que acham ser a posição deles, num mimetismo seguidista, para logo caírem nas respetivas boas graças. Outros limitam-se a questionar e vão conseguindo, por elaboradas artes de dissimulação, nem concordar abertamente com o parceiro mas também nunca o afrontar. Não é fácil! É uma elaborada escola do "nunca me comprometo". Outras vezes, por detrás dessa atitude, não há sequer quaisquer razões de fundo: a fuga para a reação interrogativa está-lhe no sangue, é superior à suas forças. Era o caso do embaixador de quem vou contar uma historieta passada comigo.

Um dia, estava eu então no governo, recebeu-me, de passagem, na sua residência, numa determinada embaixada europeia. Eu tinha andado de um lado para o outro, durante todo o dia, envolvido em reuniões. Com a pressa, e porque o programa era muito intenso, fui adiando a necessidade, que se ia tornando cada vez mais premente, de ir a uma casa de banho. Assim, chegado à embaixada, logo que encontrei o embaixador, ainda no hall de entrada, perguntei-lhe, algo ansioso:

- Posso ir a uma casa de banho?

- Para quê?, perguntou-me o embaixador.

Devo ter feito um ar de grande surpresa. Então o homem pretendia saber a razão pela qual eu queria ir a uma casa de banho? Isso era coisa que se perguntasse? Fiquei sem palavras. O mesmo não aconteceu com o embaixador, que logo esclareceu:

- Se é para uma coisa "simples", pode ir aqui a esta pequena casa de banho, junto ao hall. Mas se é para uma coisa mais "substancial", é melhor ir a uma das casas de banho do primeiro andar.

Nunca mais esqueci o requintado qualificativo, que não deixa de ter algo de quantificativo, que, na peculiar organização espacial do homem, fazia toda a diferença.

5 comentários:

Anónimo disse...

Uns vivem com o "complicómetro" ligado e outros sem opinião própria para cair nas "boas graças".

Não sei o que é pior, mas o estilo "Bobby" também não me agrada minimamente... O pior é que está a proliferar e "safam-se" bem!

Isabel BP

Isabel Seixas disse...

Pois..
Pensei que uma fosse uma árvore urinol... A outra uma sanita chaise long.

Num cenário de castanheiros e ar puro excursionistas de sexo masculino urinam livremente em suspiros de descompressão vesical e prazeres lícitos.

Confundir-se-iam com apêndices dos troncos não fosse a denúncia dos reguinhos de líquido a desenhar semiespirais antes da absorção natural .

Um grupo de freiras em peregrinação faz paragem para usar o espaço com o mesmo fim mas seguem o seu caminho subtilmente ao ver a casa de banho ocupada pela diferença de género.

A noviça que nunca tal houvera visto fica pasmada/encantada a olhar e clama para as companheiras,

Ó irmãs venham ver que prático!

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, a pessoa em apreço era um bom amigo. Ele teria JAKUSSY se fosse o caso da sua disposição no momento... Registe a boa vontade de um velho colega!

Anónimo disse...

Em tempos apenas se dizia: Onde posso ir lavar as mãos.
As senhoras por seu lado apenas diziam: onde posso ir por pó de arroz. Enfim.....outros tempos mais recatados....

Defreitas disse...

SUBSTANCIA = Linguagem diplomatica para complicar« matérias » simples!

O amigo do Sr. Embaixador deve ter lido algumas historias « saborosas » sobre a « substância » em questao. Mes esqueceu-as.

A Historia teria sido escrita duma maneira bem diferente se a linguagem diplomatica se tivesse imposto a certos momentos da Historia.

Quem pode admitir que Cambrone pudesse ter respondido aos Ingleses :: » Substância » em vez da sonora palavra em 5 letras, que vai tao bem aos inimigos cordiais?

Quem pode admitir que a mesma palavra , utilizada por Napoléon, endereçada ao seu diplomata mais detestado, Talleyrand , na famosa frase : «  Vous êtes un tas de « substância » numa meia de seda ! «  , teria o mesmo efeito que as cinco letras historicas ?

Nao, nao ! Nao « soa » da mesma maneira, mesmo se substâncialmente significa a mesma « matéria »

Recordo uma historia pessoal, aquando duma viagem a Nova Iorque. Chegado ao aeroporto de Newark, vindo nao me recorda donde, aluguei um taxi para me levar a China Town, ao Hollyday Inn. O « taxi driver », um « armàrio » de mais de 2 metros de altura ( e nao sou pequeno com o meu 1,84 m.) filho da negritude de Leopoldo Senghor, là me levou. Chegado muito perto da rua do hotel, um policia mandou-o parar ! Era um Wasp, 1,60 màximo, mas com a autoridade do uniforme! Obrigou-o a dar a volta ao bloco para entrar por outra rua! Um enorme «  SHIT » do taxista, seguido logo a seguir, dum «  a little shit » qui me impede de trabalhar.
Francamente, nao teria a mesma sonoridade se tivesse gritado : «  Substance «  !

PS) Estou por alguns dias na Côte d’Azur, com um computador de bolso, sem as aplicaçoes habituais. Peço desculpa pela ortografia.

J. de Freitas

Obrigado, António

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