domingo, junho 05, 2011

Propinas

O Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a que presido, decidiu ontem aumentar em 12 euros por ano (um euro por mês), as propinas de base para o ano letivo 2011/12. Ponderámos muito esta decisão, não tanto pelo acréscimo em si mas, principalmente, porque este esforço acrescido se soma às dificuldades por que passam muitas famílias, atingidas pela crise económico-social. 

Poderíamos ter evitado tomar esta decisão? Claro que sim: se não houvesse estudantes a furtarem-se à liquidação das propinas, o que é altamente injusto para os colegas que cumprem as suas obrigações, este aumento não teria sido necessário. 

As universidades públicas portuguesas (não apenas essas, mas são essas que para aqui interessam) atravessam, embora de forma desigual, um momento algo complexo, produto de diversos fatores, que vão desde as alterações recentes do seu mercado ao facto de terem de adaptar-se às limitações orçamentais com que o setor Estado vive. E isso exige mudanças, com algumas a poderem não ser as mais populares.

Pela génese da sua oferta pedagógica, pelo seu enquadramento geográfico e por outros fatores específicos de vária natureza, a UTAD tem necessidade de fazer, com caráter de urgência, algumas opções estratégicas muito sérias. Por essa razão, porque a universidade deve repensar a sua estrutura, o seu modelo e os seus objetivos, vi aprovada uma proposta que apresentei para que se organizem, em Outubro e Dezembro, duas jornadas de reflexão estratégica. Vamos ouvir o que a Academia pensa para a sua universidade e, de seguida, com base em estudos devidamente fundamentados, vamos tomar, em 2012, as medidas que tivermos por mais adequadas para o futuro da UTAD.

Ser embaixador em França não é incompatível com esta contribuição, a titulo totalmente gracioso, que faço à universidade da minha terra. É com muito prazer que retiro dias de férias para vir, de Paris, algumas vezes por ano, trabalhar umas horas em Vila Real, tentando ser útil à UTAD. 

sábado, junho 04, 2011

Ver eleições

Os meus amigos franceses surpreendem-se sempre quando lhe conto que, uma vez, antes de 25 de abril de 1974, "meti" duas semanas de férias, no meu emprego, para ir a Paris... ver eleições! É que, naquela altura, os atos eleitorais em Portugal eram uma verdadeira farsa e, para muitas pessoas da minha geração, a França funcionava como uma espécie de democracia "adotiva". Para alguns, acabaria por ser mesmo um destino de vida.

"Ver" eleições em Paris significava poder assistir aos comícios na Mutualité, estar presente em debates organizados pelas forças partidárias, contemplar o panorama da polémica que se refletia nas televisões e nos jornais, recolher imensa papelada que nos alertava para a liberdade que se vivia naquele mundo, com os placards exteriores a mostrarem caras e símbolos em disputa democrática. Era uma sensação estranha mas entusiasmante, para um jovem português de então.

Agora, vim a Portugal, não para "ver" eleições, mas para participar nelas, para votar. Há quem ache isso inútil, quem entenda que "são todos iguais", que "assim não vamos lá". Alguns opinam que a classe política portuguesa não merece confiança, que os eleitos acabam por nunca fazer aquilo a que se comprometem, que votar ou não votar não muda nada na nossa vida. Agora, há também quem considere que o compromisso assumido pelo país com as instituições financiadoras internacionais limita de tal modo a margem de manobra de quem quer que seja eleito que, no fundo, "vai dar tudo ao mesmo".

Não é verdade. Os partidos não são todos iguais, têm histórias e princípios diferentes. Os políticos que os titulam têm perfis diversos e há muitos espaços de afirmação legislativa e de atuação político-administrativa que apenas dependem do exercício da vontade política, que não estão vinculados ou dependentes do acordo com a "troika".

A questão é muito simples: se nos afastarmos do processo político, se deixaremos aos outros a decisão de escolherem por nós, perdemos parte da legitimidade para poder avaliar e responsabilizar aquele que vierem a ser eleitos... pelos outros!

Hoje, com toda a serenidade e em consciência, vá votar!

"Diplomatas"

A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar.

sexta-feira, junho 03, 2011

Mãos

- Você conhece o rapaz que Lisboa mandou para a reunião?

À pergunta do embaixador, o conselheiro da missão portuguesa junto daquela organização internacional relatou o pouco que sabia sobre o jovem colega que o MNE tinha enviado para assegurar um determinado grupo de trabalho, por algumas semanas. Na descrição que fez do diplomata visitante, o conselheiro não deixou de acrescentar o estranho pormenor de que ele tinha sempre "a mão úmida".

- Que horror!, reagiu o embaixador.

Passaram-se os dias e, uma tarde, o diplomata lisboeta entrou no gabinete do conselheiro e, de chofre, perguntou-lhe:

- Você acha que o seu embaixador tem alguma coisas contra mim?

O conselheiro reagiu negativamente, dizendo que tinha mesmo a certeza de que o embaixador nunca antes ouvira falar dele, tanto mais que, na altura da sua chegada, lhe perguntara quem ele era. Não, não tinha nada contra ele, onde é que ele fora desencantar essa ideia?

- Eu pergunto isto porque, sempre que estendo a mão ao embaixador, para o cumprimentar, ele põe as mãos atrás das costas... Nunca consegui dar-lhe um aperto de mão!

Aí, o conselheiro entendeu...

Astérix em mirandês

Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").

Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.

Os mirandês está bem e recomenda-se!

quinta-feira, junho 02, 2011

O relógio

O Melo era aquilo a que agora se chama um cromo. Projetava uma imagem caricatural do diplomata: sempre de fato com colete, de onde sobressaía a corrente de ouro do relógio de bolso. Como tique, tinha por hábito dar lustre nas calças ao brasão que trazia no anel. Falava de forma pausada, mimando o estilo que ele admirava em vetustas figuras da carreira, vindas de um tempo a cujos sinais exteriores ficara fiel. Velho conselheiro já sem hipóteses de promoção ou de chefia de missão, arrastava agora a sua consabida calaceirice por um posto onde fora colocado contra a vontade expressa do embaixador. Este pagava-lhe com uma atitude de permanente ironia e desprezo. Porque era um pouco tonto, o Melo parecia não perceber que era regularmente gozado pelo seu chefe.

Uma tarde, na embaixada, foi chamado ao gabinete do embaixador. Encontrou-o com um colega mais velho, que tinha vindo de Lisboa, em férias. Tratado o breve expediente, o embaixador perguntou-lhe:

- Ó Melo, você tem horas certas?

O conselheiro sacou, com orgulho, do seu velho e valioso relógio de bolso, preso pela ostensiva corrente de ouro. E esclareceu o embaixador. Este voltou à carga, dirigindo-se para o colega de Lisboa:

- Tu queres saber que o nosso Melo nunca muda a hora no relógio?!

Perante o espanto afivelado pelo embaixador visitante, o Melo, sorridente, voltou a tirar o relógio, explicando que, de há muito, decidira não proceder aos acertos horários, ao longo do ano, para evitar forçar o delicado mecanismo do velho relógio. E lá mostrou que, precisamente, tinha então a hora errada.

- É verdade que estes relógios ingleses são frágeis, comentou o chefe do posto.

O Melo reagiu. Não, o relógio era americano! Retirou-o, uma vez mais, do bolso do colete e mostrou a marca, a ambos os embaixadores. E preparava-se para sair quando o seu superior hierárquico, com alguma ironia, lhe lançou:

- Ó Melo, eu perceberia o seu cuidado, se o relógio fosse de ouro, mas assim...

O conselheiro, que herdara o precioso relógio de ouro da família, reagiu e, retirando-o de novo do bolso, mostrou o contraste, sobre o qual deu algumas explicações, que pouco pareceram interessar aos seus interlocutores. E foi saindo. Estava já prestes a fechar a porta, por fora, quando ouviu o seu chefe dizer para o embaixador visitante:

- Aquele relógio do Melo não é nada mau. O que é pena é que não tenha ainda ponteiro dos segundos. Mas percebe-se, é de outro tempo.

O Melo, contudo, ainda tinha ouvido o comentário. Reabriu a porta, pediu desculpa e mostrou, à evidência, que o seu embaixador estava errado: o seu relógio marcava os segundos. E saiu.

O conselheiro já não testemunhou a "barrigada de riso" que invadiu ambos os embaixadores. E, em especial, a frase do seu chefe:

- Eu não te dizia que o tipo sacava do relógio, pelo menos cinco vezes?!  Com jeito, ainda tinham sido algumas mais...

Esta história foi-me contada, há cerca de um quarto de século, por um embaixador. Já não conheci o "Melo", nem qualquer os outros protagonistas. Longos anos houve em que era possível a subsistência de algum autoritarismo nas relações hierárquicas, dentro das nossas missões diplomáticas. Eram outros tempos, embora eu ainda tenha encontrado alguns "Melos", pelos corredores das Necessidades.

Cohen

A minha experiência de concertos musicais ao vivo (fora os de música clássica, claro) não é muito positiva. Com raras exceções, e independentemente da qualidade cénica dos espetáculos, acabo, quase sempre, por sair um tanto desiludido dessas aventuras. Para o auditório, o som raramente é bom e há que aturar os patetas que, para mostrar que conhecem as músicas, as abafam com aplausos, aos primeiros acordes. Depois, há a chusma histérica que, logo que pode, arranca dos seus lugares e se "ajunta" no sopé do palco, repetindo alto os refrões e tapando a vista a quem fez o esforço de pagar o que achava que iam ser ótimos lugares. E, desculpem lá!, abomino o "pessoal dos isqueiros", na sua patética nostalgia.

Digo isto para notar que, deliberadamente, já me escusei a ir ver dois espetáculos de Leonard Cohen, apenas para ter a certeza de me não iria sentir desiludido com o trabalho desse magnífico artista canadiano, que ontem ganhou o prémio "príncipe das Astúrias" - derrotando, ao que dizem, António Lobo Antunes e Ian McEwan. Cohen é um magnífico compositor, escreve excelentes poemas e canta com um estilo único. Merecido prémio.

quarta-feira, junho 01, 2011

O casaco

Percebemos o truque quando, bem cedo numa segunda-feira, um de nós passou pelo gabinete dele. O casaco continuava no cabide, em frente à secretária. Tinha lá sido posto ao final da manhã de sexta-feira, para dar impressão, a quem o procurasse durante toda a tarde desse dia, que "estava já ali perto, já vinha...".

Era um especialista diplomático em fins-de-semana. Terá deixado escola? Pensei nisto ontem, ao abrir as portas de alguns gabinetes, nas Necessidades. Mas estavam lá todos...

As relações económicas entre a França e Portugal

A revista "Portugal Global", editada pela AICEP, publica no seu número de Junho de 2011, que hoje surge a público, um completo dossiê sobre as relações económicas bilaterais entre a França e Portugal. Pode consultar o pdf da revista aqui.

Neste número, publico um artigo intitulado "Diplomacia em tempo de crise", que pode ler na revista ou aqui

terça-feira, maio 31, 2011

Pero que las hay, las hay!

Há dois dias, para uma conversa, combinei com um amigo um encontro no bar de um hotel, em Lisboa. Esse amigo vai viver proximamente para o Brasil. Trocámos impressões sobre a cidade onde irá fixar-se e, nela, sobre as pessoas que seria importante que viesse a conhecer. Disse-lhe o nome de uma personalidade (como agora é moda qualificar) "incontornável" da vida daquela cidade, cujo perfil lhe descrevi. Ele tomou nota.

Acabada a conversa, olhei em frente e quem vejo eu, nesse mesmo bar de hotel? A tal pessoa do Brasil, que eu não encontrava há mais de dois anos! Apresentei-a ao meu amigo o qual, não fora o facto de me conhecer de há muito, poderia ter pensado que tudo não passara de um arranjo já combinado...

As coincidências fazem parte da vida. Em especial da minha, como poderão ver se clicarem no marcador "Coincidências", no fundo deste post.

Portugal na Finisterra

A cultura portuguesa é trabalhada em França em muitos, e às vezes remotos, locais. Em Pont-Aven, no extremo da Bretanha, Cristina Isabel de Melo, de quem já aqui falámos há tempos, desenvolve um louvável esforço de difusão, através das Edições Vagamundo

A Vagamundo editou agora, de Nuno Júdice, com tradução da própria Cristina Isabel de Melo, a "Geométrie variable".

segunda-feira, maio 30, 2011

O triângulo

Luanda, 1982.

Eu andava deliciado com o meu Golf Diesel, recém-chegado da Dinamarca, com um confortável ar condicionado. Fui pessoalmente buscá-lo ao porto, depois de esperar semanas que o barco acostasse.

Num dos primeiros dias de utilização do novo carro, ao passar pelo Largo Maria da Fonte (a estátua da libertadora minhota, cuja pertinência num lugar central de Luanda era realmente discutível, tinha sido substituída por um tanque de guerra, razão pela qual todos chamavam ao lugar o Largo Maria do Tanque...), sou mandado parar por uma operação policial, de controlo de tráfego.

- O camarada pode mostrar se os "piscas" funcionam?

Claro que funcionavam. O guarda era jovem, delicado, com uma atitude bem simpática.

Mas a cena era surreal. Ali estava eu, com um carro novinho em folha. a ser fiscalizado (depois dos "piscas" foram os "stops" e sei lá que mais), quando, mesmo ao lado, passavam viaturas sem portas, muitas sem pára-choques, algumas sem pára-brisas, outras de faróis "descaídos" por acidentes.

Diga-se que, na Luanda desse tempo, as dificuldades eram imensas, faltava tudo, era um milagre encontrar uma peça de substituição para qualquer veículo, qualquer coisa de natureza material (a começar na alimentação) só era possível de obter através de "esquemas" ou de conhecimentos, nesse caso com quase garantidos pedido de retribuição de favores, a surgirem mais tarde. As escassíssimas lojas abertas estavam quase vazias, às vezes com alguns objetos inúteis, apenas "para encher montra".

Eu levava com grande bonomia a inspeção, tanto mais que de nada valia ter outra atitude. E a "check-list" ia prosseguindo. A certo ponto, satisfeitos até aí todos os requisitos de segurança de tráfego, o "camarada polícia" (nesse tempo, todas as pessoas eram tratadas por "camarada", recordando-me mesmo de uma testemunha de um roubo que, na televisão, se referiu ao "camarada ladrão"...) teve uma última ideia:

- O camarada tem triângulo?

Sabia lá! Fui à traseira do carro e procurei, junto à roda sobressalente. Qual quê?! Os dinamarqueses tinham-se esquecido de pôr um triângulo no carro!

- O camarada sabe que é ilegal circular sem triângulo?

Eu sabia, mas também sabia que, com ou sem triângulo, o meu novo carro oferecia mil por cento mais condições de segurança do que tudo o que, de mecânico, se movia à nossa volta, desde os automóveis à temíveis "Ifas", uns camiões da RDA que, vistos de frente, estavam sempre inclinados para um dos lados ("sempre para a esquerda", assegurava, grave e irónico, o Chico Neto) e cujo sistema de travagem tinha regulares e trágicas deficiências.

- Tem razão, camarada. Não tenho triângulo. Tenho de comprar um. Onde é que se eles se vendem?

A ironia era pesada. Talvez só a alguns largos milhares de quilómetros de Luanda fosse possível encontrar uma loja onde um triângulo de pré-sinalização pudesse ser adquirido.

O jovem polícia negro fez um largo sorriso, compreensivo, e lançou, amigavelmente:

- Vá com Deus, camarada!

Corrupção

Ontem, durante a campanha eleitoral, alguém estranhou que, de entre as medidas constantes do protocolo assinado com a "troika", não houvesse uma palavra sobre medidas de combate à corrupção, tal como existem relativamente à máquina da justiça e diversas outras áreas de atuação do Estado.

É sabido que as economias marcadas pelo tráfico de influências reduzem a confiança dos investidores e minam as condições para o crescimento, pela desregulação que introduzem no funcionamento dos mercados. Por essa razão, pode estranhar-se que, ao promover um empréstimo de elevado montante a Portugal, com contrapartidas que incluem uma imensidão de condicionalidades, instituições com a experiência e a prudência do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu não tenham aproveitado para exigir um forte pacote de medidas legislativas para reforço de combate à corrupção, a serem decididas pelo novo parlamento.

Sá há uma - única e insofismável - explicação para esta omissão: as instituições internacionais responsáveis (e aqui não falamos de ONG's, com discutíveis critérios de avaliação) entendem que a moldura legislativa que, em Portugal, enquadra esse tipo de criminalidade é hoje suficiente e adequada.

Com isto, não estou a afirmar que a corrupção não exista, em Portugal, e que não seja importante encontrar fórmulas mais eficazes para lhe fazer frente, nomeadamente no campo da aplicação da justiça. Estou apenas a dizer que, por via indireta, a comunidade internacional atesta que o nosso país dispõe já do arsenal legislativo adequado para a combater. E isto é uma excelente notícia.

domingo, maio 29, 2011

Grande Porto



Lembrei-me muito do meu tio Óscar, neste fim de semana. Durante a minha infância, o Porto, para mim, identificava-se muito com ele.

Oficial do Exército na reserva, ia, aos domingos, almoçar à messe, na Batalha e, durante a semana, parava as tardes num grupo de amigos, no Rialto, onde aguardava a chegada do "Diário do Norte". Sendo ele portuense, não me recordo se era portista, sequer se se interessava pelo futebol.  Coleccionava "O Tripeiro", que tinha encadernado na estante, e foi pela mão dele que conheci a "Vida Mundial", quando a publicação consistia  apenas numa recolha de artigos traduzidos da imprensa estrangeira e  ainda era editada no Montijo.

Vivia na Ramada Alta, num andar com um cheiro confortável e indefinível, que nunca esqueci, com uma varanda envidraçada, onde se tomava chá e se via a estátua da rotunda da Boavista. Em noites em que as luzes convertiam o Porto num distante sonho cosmopolita para o jovem que, como eu, visitava a cidade, com o deslumbramento dos que viviam para lá do Marão, daquela varanda via-se passar, ao fundo, um comboio. O tio Óscar, que, com carinho, me mostrou e fez para sempre gostar da sua cidade, nunca teve ocasião de cumprir a promessa que me havia feito de me levar um dia nessa linha, até à Póvoa.

Neste sábado, ao sair do aeroporto do Porto, comprei um "Andante"*, o nome irónico dado ao bilhete do Metro de superfície, que também comporta a tal linha férrea que eu via da casa do meu tio Óscar. É uma viagem calma, por vezes com a triste paisagem de traseiras suburbanas que os comboios proporcionam, outras com vista para aquelas moradias de portas altas com uma imensa numeração, bem típicas de certas ruas do Porto. A certo passo, o Metro emerge de um túnel e ouve-se a voz oficiosa: "Verdes". Aparece uma estação a justificar o nome, no meio de vegetação, de que eu nunca ouvira falar. Recordando o tio Óscar, lá fui, por aí adiante, até ao meu destino, a Trindade.

Nessa noite, ao dizer a um amigo, que encontrei num jantar na Alfândega, que estava instalado pelas bandas da Trindade, num novo hotel, ele retorquiu-me, lembrando quando por aí andávamos, há muitos anos: "Vais dormir perto da Alferes Malheiro? Ó diabo! Ainda acabas a noite na "Candeia"..." Esclareci que, a "Candeia", além de ter já fechado há uns tempos, há meio século que não fazia parte dos meus roteiros do Porto. "Então podes ir a um pomar, muito próximo do teu hotel". Porque conheço muito bem a zona, estranhei que por ali houvesse algum pomar. Ele precisou: "É na Gonçalo Cristóvão, tem excelente fruta". Não percebi nada, mas creio que a graça tem alguma coisa a ver com futebol...

Em tempo: correção feita. O "Andante" é o nome do bilhete e não do metro, como eu pensava. Desatenções...

Barcelona

A frase do treinador do Manchester United, Alex Ferguson, ao considerar este Barcelona a melhor equipa com que se confrontrara na sua longa carreira futebolística, diz muito sobre a qualidade, verdadeiramente rara, deste grupo. Há por ali um estilo de jogo, apoiado num conjunto com grande homogeneidade técnica, que, inevitavelmente, traz à memória a "laranja mecânica" holandesa dos anos 70. Eu diria mesmo: para melhor.

É com espetáculos desta qualidade que o futebol se promove. 

sábado, maio 28, 2011

A religião e a comunidade portuguesa

Há dias, reunimos num almoço na embaixada cerca de duas dezenas de sacerdotes católicos, de várias nacionalidades, que prestam assistência religiosa e, muitas vezes, coordenam o apoio social a setores da comunidade portuguesa na região de Paris. A agenda deste que foi o terceiro encontro deste género foi bastante alargada, suscitando a troca da diversidade das experiências que conduzem em cada comunidade.

No que me toca, foi muito importante ouvir pessoas dedicadas à ação social junto da comunidade portuguesa falarem do modo como avaliam o comportamento das várias gerações de origem portuguesa em França, do uso da língua portuguesa à sua relação com outras comunidades culturalmente muito diferentes, os problemas que afetam os mais idosos, a chegada recente de pessoas vindas de Portugal, em busca de ocupação, bem como a forma como a gerações de origem portuguesa mais jovens olham para o nosso país. As questões que se prendem com a atual situação económica em Portugal, com as preocupações que isso repercute na nossa comunidade, estiveram também presentes neste agradável encontro.  

Chandeigne

As edições Chandeigne, como outras vezes aqui foi assinalado, prestam uma contribuição inestimável para a divulgação da língua e cultura portuguesas em França, com uma atenção cada vez mais alargada aos países cujas culturas se exprimem no nosso idioma.

Recomenda-se uma visita virtual ao excelente catálogo da Chandeigne ou, podendo, vale a pena perdermo-nos nas instalações desta "Librairie Portugaise et Brésilienne", no nº 10 da rue Tournefort, a dois passos do Panthéon (tlf.: 01 43 36 34 37).

Este ano, o trabalho de Michel Chandeigne e da sua equipa comemora os seus 25 anos de existência. No segundo semestre de 2011, a Embaixada de Portugal em França vai participar nesta comemoração e no agradecimento que todos devemos a quem tem feito um notável esforço pela promoção da lusofonia cultural em França.

Neste final de semana, porque nos aproximamos do "Dia de Camões", sugere-se uma saltada ao stand 505 do Marché de la Poesie, na place Saint-Sulpice, onde a Chandeigne apresenta uma cuidada edição bilingue dos Sonetos de Luís de Camões.

sexta-feira, maio 27, 2011

Van der Saar e o Azevedo

Por compromissos da vida, não vou poder ver em direto a final da "Champions League", hoje à noite. E assim vou perder a despedida de Van der Saar, do Manchester United, que considero um dos melhores guarda-redes de sempre.

O futebol vive muito concentrado em quem pode fazer golos e menos em quem os pode evitar. É claro que um guarda-redes, por regra, não ganha os jogos, mas pode fazer a equipa perdê-los. Que o diga o Benfica de 2010/2011...

O lugar do guarda-redes é o mais ingrato de toda a equipa. Já alguma vez se colocaram na linha de golo, dentro de uma baliza? São 7 metros e 32 de poste a poste, com a trave que as liga a 2 metros e 44 do chão. À frente, a marca dos penaltis é a 11 metros. Parece longe, mas, vista da baliza, é logo ali, podem crer. Repito: se nunca experimentaram, coloquem-se um dia numa baliza, para poderem melhor apreciar a dificuldade do mais ingrato lugar do futebol.

Van der Saar deu-me sempre a ideia de ser o guarda-redes ideal para gerar confiança a uma equipa. Com o ar falsamente "boyish" dado pelos cabelos espetados, de fácies algo angustiado, denotando extrema concentração, vi-o fazer maravilhas perante situações impossíveis. A seleção holandesa e o United devem-lhe muitas horas felizes. 

Mas é claro que Van der Saar não é "o" Azevedo... 

Para quem o não saiba, convém explicar que o Azevedo é algo que faz parte da mitologia do Sporting. Trata-se de um guarda-redes que ganhou foros de lenda, nos tempos em que o clube era vitorioso em campeonatos nacionais, quase com a mesma facilidade com que o Porto agora o faz. Apenas algumas fotografias nos restam do Azevedo (aqui está uma), o qual, um dia, terá mesmo terminado um jogo de braço ao peito! 

Recordo-me que o meu pai, leão sofredor (o tempo tem consagrado a expressão como pleonasmo), durante décadas, quando se falava da qualidade de um qualquer grande guarda-redes do Sporting, de Carlos Gomes a Damas, relatizava sempre: "mas está muito longe de ser o Azevedo...". Eu não tinha argumentos para contrariar, nunca vi jogar o Azevedo, até pela simples razão de que ele terminou a sua carreira um ano antes de eu nascer! Mas, aqui entre nós, acho que o Van der Saar não lhe deve ficar longe. É a melhor homenagem que um sportinguista lhe pode prestar.

Jóias

É uma atividade económica muito particular, onde a indústria de confunde com a arte. Ontem, apresentámos na Embaixada, para jornalistas, profissionais e alguns convidados, um conjunto de jóias produzidas em Portugal, no norte, pela Rosior. Pelas reações ouvidas, a exposição dessas peças únicas surpreendeu pela positiva.  

A imagem de Portugal, num mercado tão exigente como Paris, também se faz destas mostras daquilo que o país produz, com grande qualidade e rigor na promoção comercial.

quinta-feira, maio 26, 2011

A política e o ridículo

Tendo em atenção o facto das canções em flamengo não constituirem uma base musical que possa comparar-se à produção existente em língua francesa, nomeadamente em termos de popularidade, o metro de Bruxelas tomou a sábia decisão de passar a colocar no ar, como música ambiente, apenas canções em inglês. O objetivo é preservar o equilíbrio a que o estrito biliguismo franco-flamengo (duvido mesmo que seja legal usar este termo) obriga.

Quase que dá vontade de pedir uma "chance" para o esperanto. Mas "chance" é francês, cuidado.

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...