terça-feira, junho 23, 2015

Berrar baixinho


Paulo Castilho, no seu novo livro “O Sonho Português”, coloca uma personagem a descrever-nos: “fervemos em pouca água e no instante seguinte caímos na resignação e na tristeza, não somos um país, somos uma melancolia politicamente organizada”.

Nada pode ser mais verdade. Os portugueses são de rompantes, de emoções fortes, de ameaças de “partir a loiça”, de deitar abaixo tudo, de mudar de vida. Depois, com o calendário a passar, desejosos, bem lá no fundo, de “viver habitualmente”, como bem os topava Salazar, os nossos concidadãos entram numa progressiva apatia, o que era chocante deixa de o ser tanto, o que foi inaceitável passou a ser digerível, até certas caras, tão “impossíveis”, passam a ser convivíveis.

E, no entanto, é bom ver o país mobilizado por causas. A democracia deu espaço para isso. Recentemente, temo-nos entretido com os méritos do Tribunal Constitucional, o Acordo Ortográfico, a privatização da TAP, está mesmo aí a chegar a “saison” do debate sobre as touradas. Uma grande parte do país detesta José Sócrates, outra defende-o. Desde há meses, a Grécia excita-nos as colunas: os gregos ou são uns madraços ou uns heróis que acabarão por derrotar os “troianos” berlinenses. A história, por cá, faz-se sempre de índios e cowboys, ambos com adeptos legitimamente irados.

O país precisa destas polarizações. Elas não assentam em racionalidade: baseiam-se no debate emocional, simplificado, caricaturado. O maniqueísmo é uma deriva que demonstra a mediocridade de uma vida cívica onde, às vezes, fica a ideia de que quem falar mais alto tem (pelo menos por algum tempo) a razão.

Os resultados da última sondagem de avaliação político-partidária são um barómetro desta nossa ciclotimia emocional.

Não vai para muito tempo, esta maioria tinha “os dias contados”, Passos Coelho estava “politicamente morto”, o país saía à rua e grandolava, irado, contra a falta de sensibilidade social do executivo, com o experimentalismo de governantes sem jeito. Lembro-me de falar com pessoas que olhavam para o lado, quase com o receio de serem escutadas, quando afirmavam que mantinham a sua confiança no governo.

Do lado da oposição, Seguro era visto como o único travão à afirmação de uma alternativa credível. Recordo a tensão, quase “bélica”, no seio da minha família política, entre os “seguristas” e os “costistas”. Tive conversas arruinadas por altercações entre amigos, nas vésperas das “primárias”.

Hoje, as coisas vão sendo o que são. Bem cantava o Carlos do Carmo, em “Os putos”: “quando a tarde cai, vai-se a revolta”. A TSU, as pensões, as rendas, a emigração, o caos do ano letivo, o estado do “citius” judiciário, a Tecnoforma, as listas VIP, todas as imensas trapalhadas e incompetências de um ciclo, tudo isso passou à história, tudo isso foi antes de Jesus caminhar sobre as águas da “segunda circular” e parar as televisões.

Somos um país curioso. Um amigo meu resume bem isto: os portugueses, a partir de certa altura, optam por “berrar baixinho”.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

3 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

A imagem dos nossos compatriotas ficou gravada na minha memória quando, há umas dezenas de anos , fui à minha terra de Guimarães, e lá encontrei um irmão da minha Mãe que tinha emigrado para França anos antes e regressara depois ao país.

Tinha trabalhado num país onde se criticam livremente todas as personalidades que possuem uma onça de poder ou influência na sociedade, qualquer que ele seja, tinha sido sindicalizado, tinha adquirido cá o estatuto de cidadão.
Voltou à aldeia, construiu uma casa, e viveu com a "retraite" que cá ganhou. Aquando da minha visita, e um dia em que conversava com ele à porta da sua casa, vi passar um senhor mais idoso que ele, que, bem vestido e de chapéu na cabeça, o saudou . Como o passante tivesse parado para dizer mais algumas palavras, assisti ao espectáculo do meu Tio, que se aproximou da outra pessoa, e , retirando a sua "casquette" da cabeça ficou assim uns momentos a conversar. O outro conservou o chapéu na cabeça.

Desde que se separaram perguntei ao meu Tio quem era aquele personagem a quem tinha mostrado tanta deferência, ao ponto de ficar com a "casquette" na mão como um subordinado.

Ah, meu sobrinho, sabes era o feitor da quinta onde trabalhei antes de emigrar !

Disse então ao meu Tio que agora eram cidadãos iguais e que não havia razão para que um conservasse o chapéu e o outro mantivesse o signo da suposta superioridade doutros tempos.

Ah, disse- me ele, sabes , fomos habituados assim, e não podemos mudar só porque vivemos durante anos com outras gentes!

Dias mais tarde verifiquei que era verdade, quando o vi retirar a sua casquette da cabeça quando passava, a uns metros , sem que lhe falasse, o pároco da aldeia!

Os antigos poderes continuam na cabeça de muitos Portugueses, porque nasceram assim e não há lufadas de ar da liberdade que consigam limpar essa subserviência , essa submissão permanente de um povo que viveu tempo demais por trás das grades!

Ontem, ao ler as palavras de Santana Lopes dizendo que " os Portugueses defendem o Syriza porque protegem os "coitadinhos", os fracos, e os desprotegidos, sejam de direita ou esquerda " , deduzi que o social democrata considera que os seus compatriotas pertencem à mesma família dos coitadinhos... e que não são capazes de melhor! Pensa como pensava Salazar.

Anónimo disse...

Realmente tem razão, quem não é da Maçonaria é coitadinho.

O complexo do ditador salazar, corre nas veias dos aventais & pedreiros...

Anónimo disse...

Tensão quase bélica é um eufemismo para violência canalha e fratricida servida principalmente pela banda do actual incumbente.

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Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...