sábado, maio 31, 2014

Tweets do início do fim de semana

- Um segredo bem guardado: há uma maneira do Tribunal Constitucional não vetar as leis do governo. Basta elas serem conformes à Constituição!

- A decisão do Tribunal Constitucional é uma coisa séria. O governo deveria ter aprendido que não pode brincar com as leis e atuar como se elas não existissem.

- A Constituição é o consenso qualificado do país. O governo tem maioria mas não tem legitimidade para violar unilateralmente esse consenso.

- Tentar desqualificar politicamente o Tribunal Constitucional é um ato vergonhoso de desrespeito pela Justiça. E um insulto à idoneidade profissional dos juízes,

- A diabilização do Estado, o desprezo pelos direitos e a cobardia de atacar os mais fracos teve um travão na decisão do Tribunal Constitucional. Uma decisão honrada.

- Os que protestam contra a Constituição, estariam aos gritos se a sua liberdade fosse limitada. É a Constituição que o impede, sabiam?

- Quem acha justo que entre o salário de um jovem e a pensão de um idoso só este último pague CES?

- Será que a ninguém no governo perturba o facto de estar a ter como alvo de medidas reformados e idosos, pessoas que não podem regressar ao mercado de trabalho e estão numa fase fragilizada da vida?

- Há algo que não entendo: como é possível que alguém não considere como obscenos cortes em rendimentos de pessoas que ganham pouco mais de 20 euros por dia.

sexta-feira, maio 30, 2014

Alberto Costa e Silva

Há alguns meses, contei por aqui um episódio. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no Brasil, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.

Há minutos, uma jornalista quis saber a minha opinião pelo facto de acabar de ser atribuído a Alberto Costa e Silva o "Prémio Camões". Fiquei imensamente satisfeito com a decisão, que distingue uma personalidade riquíssima da cultura brasileira, que é igualmente um bom amigo de Portugal e uma das figuras da intelectualidade brasileira que maior atenção tem dado às questões africanas. Se há alguém que pode, com legitimidade, ser visto como representando bem a lusofonia que está na matriz do Prémio Camões, essa figura é o meu amigo Alberto da Costa e Silva.

Um forte abraço, Alberto.

Diplomacias

Sob a experiente condução jornalística de Anabela Mota Ribeiro, o embaixador Marcello Mathias e eu próprio discutimos hoje, em seis páginas do "Jornal de Negócios", como vão as coisas pela Europa pós-eleições, bem como a situação portuguesa. Foi um exercício bem interessante, para o qual infelizmente, não há link.

Sarsfield Cabral

Ainda antes do 25 de abril, um pequeno livro publicado pela editora Moraes chamou a minha atenção. Chamava-se "Uma perspectiva sobre Portugal" e era assinado por Francisco Sarsfield Cabral, um nome que eu me habituara, desde há uns anos antes, a ler na imprensa. Era um texto com que, à época, não concordava, porque transmitia uma leitura da sociedade e do futuro do país que eu identificava com uma visão demasiado conservadora. Isso mesmo escrevi numa nota crítica que o "Comércio do Funchal" então publicou. Lida hoje, a quatro décadas de distância, devo confessar que essa "perspectiva" de FSC (brincamos muito com a coincidência das nossas iniciais, que partilhamos com Francisco Sá Carneiro e com o jornalista Filipe Santos Costa) traduzia já uma forma refrescante de olhar as coisas, num tempo cinzento pouco dado ao brilho das ideias inovadoras.

Sarsfield Cabral é um jornalista, licenciado em Direito, que dedicou toda a sua carreira a "descriptar" a economia, a trazer para o leitor, o espetador ou o ouvinte uma leitura mais simplificada, mas nem por isso caricatural, dos aspetos económicos da sociedade. Isto parece coisa pouca, neste tempo em que qualquer estagiária televisiva de "corneto" na mão se arroga a mandar bitaites sobre a "saída limpa" ou o "défice estrutural". Mas não era assim, há umas décadas: quase ninguém na imprensa fazia esse esforço de simplificação, com rigor e precisão. Salvo Sarsfield Cabral e Daniel Amaral, não recordo mais nomes (mas admito que outros houvesse) que se tivessem destacado nessa pedagógica tarefa.

Só anos mais tarde, depois de muito o ler, vim a conhecer pessoalmente Sarsfield Cabral. Com ele tive, a partir de então, várias agradáveis conversas, públicas e privadas, sobre a Europa, de que sempre foi um fiel e ardente defensor, nomeadamente ao tempo em que chefiou a delegação da Comissão Europeia em Lisboa, depois de ter passado um período no MNE. Épocas houve em que não estivemos totalmente de acordo, embora no essencial sempre coincidíssemos. Mas criámos uma sólida relação pessoal, revestida já das vestes da amizade. Lembro-me agora que cheguei a desafiá-lo para uma aventura profissional, que ele entendeu não poder aceitar.

Li ontem que lhe acaba de ser atribuído um importante prémio de carreira, no seio da comunidade católica. Tinha já a intenção de fazer hoje uma nota neste blogue, a esse propósito. Para minha agradável surpresa, acabei por encontrá-lo, há horas, num jantar-palestra, onde lhe dei um forte abraço de parabéns. Mas quero aproveitar esta nota para aqui testemunhar a minha admiração sincera pelo grande profissional do jornalismo que é Francisco Sarsfield Cabral. Que, repito, é também um amigo.

quinta-feira, maio 29, 2014

Demissões

O período desses anos 90 era fértil em viagens. Eu acompanhava, com grande frequência, António Guterres nos contactos internacionais com os seus pares, nesse tempo de grande atividade e iniciativa de Portugal no plano europeu. A política interna, porém, não parava e algumas tensões resultavam em crises.
 
Um dia, em Paris, Guterres recebeu a notícia da demissão de Jorge Lacão, creio que de líder do grupo parlamentar. Telefonemas e mais telefonemas. Passaram umas semanas e, creio que estávamos em Londres, Manuela Arcanjo demitiu-se de secretária de Estado. Nova crise. Durante uma outra viagem, pouco tempo depois, um outro abandono de alguém, de um qualquer cargo que já não recordo. Mais problemas.
 
Passaram umas semanas. Numa outra viagem, no "Falcon" oficial, o primeiro-ministro recordou as três demissões e gracejou que parecia que não podia sair do país: demitia-se logo alguém! Acrescentou, sorrindo: "espero que, durante esta viagem, ninguém se demita!".

No percurso entre o aeroporto e a cidade, levei no meu carro um funcionário do MNE que tinha ouvido o comentário de António Guterres e que sublinhou a curiosa coincidência das ocorrências descritas pelo chefe do governo. A certo passo, recebi uma chamada por telemóvel. Porque o meu companheiro de viagem era um homem em cuja discrição eu confiava muito pouco, respondi por monossílabos e expressões vagas àquilo que me estavam a dizer, para não se perceber o assunto. Notei a curiosidade imensa do pendura, pelo que achei que tinha uma bela oportunidade para testá-lo. À saída do carro, sem mais pormenores, disse-lhe: "O primeiro-ministro ainda não sabe uma demissão de que acabo de ter conhecimento". E referi o nome de um político socialista medianamente conhecido, acrescentando em voz baixa: "Mas não se pode dizer rigorosamente nada! É secreto!".
 
Chegámos ao hotel. Uma hora depois, no hall, um membro do gabinete de Guterres aproxima-se de mim: "Você quer saber que aquele tipo do MNE referiu por aí a alguém que "Fulano" se demitiu. Tem sido imensamente gozado, porque, como se sabe, "Fulano" não ocupa nenhum cargo! Não podia ter-se demitido!". Verifiquei a eficácia do teste e tomei nota do sentido de discrição do diplomata. Que nunca me falou do assunto. Até hoje.
 
Lembrei-me disto ontem, quando vi que Jorge Lacão se demitiu.

quarta-feira, maio 28, 2014

Eu e os Stones

Numa noite dos anos 90, fiquei preso num "rush" de trânsito na praça das Flores, em Lisboa. De um "carrão" à minha frente vi então saírem Mick Jagger e a sua mulher (da época), Jerry Hall. Estavam a entrar para jantar no restaurante "Conventual". Fiquei com o episódio na memória, até porque tinha almoçado nesse belo e já desaparecido restaurante nesse dia.

Ontem, andando à hora de almoço pela zona do Cais do Sodré, deu-me para ir à procura de um restaurante que não conhecia, de que me haviam falado muito bem, a "Casa de Pasto". Há minutos, vi na RTP que Mick Jagger foi lá jantar ontem à noite.

Caramba! Mick Jagger, em matéria de restaurantes de Lisboa, tem mesmo bom gosto! Da próxima vez que voltar por aí, posso dar-lhe mais umas dicas.

Em tempo: dizem-me agora que Mick Jagger foi também ao "Salsa & Coentros". Ora bolas! Era era uma das dicas que eu tinha para ele!

Ainda as Europeias

Estive ontem na SIC Notícias, como convidado de Ana Lourenço, para falar sobre as eleições europeias, em Portugal e no resto da União. A conversa pode ser vista aqui.

terça-feira, maio 27, 2014

Realismo


Terá a Europa sabedoria para parar e refletir sobre o que aconteceu nas recentes eleições europeias? Terão as suas instituições suficiente elasticidade estratégica para poderem acomodar mudanças à altura dos desafios limite com que está confrontada? Terão as suas lideranças capacidade para pilotarem um processo de reorientação que ainda salve o projeto europeu?
 
Não sou dado a alimentar premonições catastróficas, mas tenho a sensação, porventura exagerada pelo impacto do passado fim de semana, de que o projeto europeu volta a atravessar um dos seus tempos mais delicados. Já tivera um desses períodos, a partir do momento em que a crise financeira se desencadeou, quando descobriu, com patética surpresa, que não dispunha de mecanismos para acorrer à assimetria diferenciada das situações que tinham ocorrido no seu seio. Agora, o desafio é outro, embora decorrente do anterior. A Europa é confrontada com tensões nos seus variados equilíbrios nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma desconfiança muito profunda sobre se o projeto de integração responde aos seus anseios ou se não é, ele próprio, fautor do problema. E o facto dessa atitude assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa, enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de forma eficaz, a esse imenso desafio.
 
“What went wrong?” titulava, há anos, um livro sobre o curso da civilização árabe. Definitivamente, e se queremos ser práticos, temos de deixar-nos de discursos grandiloquentes e passar a uma “desconstrução” fria das razões deste mal-estar, do que “correu mal” e porquê, sem subscrevermos necessariamente as teses eurocéticas, mas igualmente sem nos deixarmos embalar pelas sereias do politicamente correto bruxelense. Há uma diversidade nacional de situações a atender, mas parece haver alguns elementos comuns que lhes estão na génese.
 
Sem pretender simplificar, neste curto espaço, uma realidade muito complexa, quero crer que foi o excesso de ambição que prejudicou a Europa. Ambição em queimar etapas no aprofundamento das suas políticas, sem atender suficientemente à sua imensa diversidade interior, sem cuidar em instalar previamente mecanismos compensatórios à altura da dimensão do projeto. Ambição em colocar sob a pressão da globalização, económica e humana, um tecido económico muito desigual e com tradições culturais díspares e frequentemente contraditórias. Ambição em querer responder estrategicamente, com alguma precipitação temporal, à demanda gigantesca que o alargamento ao seu Leste representava. Pode não ser popular afirmar as coisas assim, mas acho que chegou o tempo de olharmos de frente a realidade.

E como a História não admite becos, temos rapidamente de criar uma saída para este impasse.
 
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, maio 26, 2014

"The day after"

Os resultados? Surpreendido? Só um pouco.
 
Surpreendeu-me a catástrofe AP com 28% (que significaria 21-22%  (!!!) para o PSD e 7% ou menos para o CDS), quando aguardava um resultado sobre os 30-31%. Curiosamente, pelo "body language", acho que, para os próprios, não foi nenhuma surpresa e, como "compensação", se alegraram-se com o resultado obtido pelo PS.
 
Não me surpreendeu a vitória do PS, mas sim a escassez do resultado, que estimava poder rondar os 35-36%. Apesar disso, ter cerca de 4% a mais que toda a direita reunida está longe de poder ser considerado um mau resultado. 
 
Espanto, isso sim!, com a força de Marinho Pinto, que nunca pensei que chegasse sequer aos 4%.
 
Quanto ao resto, nada de novo: o PCP confirmou a subida, o BE ficou onde era esperado e o Livre também. Ah! e aguardava mais abstenção.
 
Voltando ao "fenómeno" Marinho Pinto. Um discurso justicialista, de denúncia, nas margens do "anti-sistema", compensou. Até o relativo "primarismo" da mensagem, numa espécie de registo "Zé Povinho", que as pessoas entendem com facilidade, ajudou. Mas, atenção!, não é (até agora) um discurso populista, anti-partidos. Foi ainda prejudicado por não ter havido debates televisivos. Se souber gerir a sua imagem com inteligência, o que não está garantido pelo seu caráter de "looner" impulsivo, pode tornar-se num caso sério na política portuguesa. Veremos também se o MPT, ao longo dos próximos meses, consegue conviver com a proeminência obsessiva da sua figura e se o caráter meramente instrumental desta eleição (as suas ambições são claramente outras) não atrapalhará uma afirmação futura. Ganhou de quem? Do PS, claro, de quem passa a ser um temível adversário e de algumas franjas desiludidas de apoiantes da maioria, que para ele canalizaram o seu descontentamento. Aproveito para deixar ao Marinho Pinto, velho companheiro de debates de café, no final dos anos 60, lá por Vila Real, um abraço de felicitações.

Reflexão

Normalmente, o período de reflexão antecede o sufrágio. Mas isto anda tudo mudado. Estou a refletir agora. Falamos mais logo, está bem?

domingo, maio 25, 2014

O empate

Foi hoje de manhã. Encontrei-o à saída da sala de voto, em Vila Real. Já nos não víamos há um bom par de anos. Abraços, perguntas pela família, pela vida, o habitual.

De repente, no meio da conversa animada, o sorriso desapareceu, a cara fechou-se, notei-lhe um súbito silêncio, o olhar desviou-se e, por segundos, seguiu o percurso lento de uma senhora, já de avançada idade, de bengala, que se cruzava conosco, no corredor daquela escola.

Hesitei dizer alguma coisa, mas, perante aquela quase perturbação, não resisti: "Há algum problema?". Distendeu um pouco. "Problema não há! Mas viste aquela gaja?". Referia-se à senhora. "Sim. Mas não a conheço. O que foi?" Sorriu ao de leve, como que embaraçado. "É minha vizinha. É uma chata no nosso condomínio! Não lhe falo!". Isso via-se, mas eu continuava sem perceber nada.

"Ó pá! Eu sei que isto pode parecer um bocado estúpido, mas eu tenho a certeza de que a velha vota sempre ao contrário de mim. E, por um "galo das arábias", não é a primeira vez que a encontro numas eleições. Nestas ocasiões, fico sempre com a ideia que o meu voto não valeu a pena. Ela "empata" o meu voto." Demos umas boas gargalhadas, em seguida.

Fiquei com a sensação de que a raiva daquele meu velho amigo - que me disse que às vezes lê este blogue - era maior neste dia de grande abstenção, em que ele teria a secreta esperança de que a vizinha não tivesse aparecido. Não tive tempo de explicar-lhe que, com jeito e diplomacia, podia combinar um "pairing" com a senhora, como alguns deputados trabalhistas e conservadores faziam, faltando ambos às votações, não alterando o sentido global do resultado, comprometendo-se à ausência sob palavra de honra. Mas depois pensei que, com os liberais ao barulho e com o novo UKIP a baralhar ainda mais as contas (logo à noite logo veremos quanto), nem o velho "pairing" já funcionará como antigamente. 

O meu voto

Naquele ano de 1969, eu tinha pela primeira vez a possibilidade legal de votar. E era ano de eleições legislativas, as únicas a que um cidadão português tinha então direito, depois da ditadura ter abolido, anos antes, a eleição direta para o presidente da República, assustada que ficara com o "fenómeno" Humberto Delgado. E eleições autárquicas era coisa nunca vista: todos os autarcas eram nomeados pelo regime.

Um dia, vindo a Vila Real em férias, inquiri como poderia inscrever-me nos cadernos eleitorais. Foi-me dito que isso se fazia na Câmara Municipal. Na respetiva secretaria, ao colocar a questão, vi a interrogação circular por vários funcionários. Aparentemente, eu era a primeira pessoa, desde há anos, a suscitar o problema, porquanto a atualização dos cadernos se fazia, por regra, por via oficiosa. Vislumbrei algumas caras conhecidas a manifestarem curiosidade pelo meu zelo cívico. Um deles, amigo da família, baixando a voz, segredou-me, através do balcão: "Não vale a pena votar. Ganham sempre os mesmos!". Outros, mais alinhados com a "situação", pressentindo claramente a razão pela qual eu queria exercer o direito de voto, olhavam-me com um ar algo jocoso, partilhando entre si ironias, à distância. A agitação entre os estudantes universitários, como eu era à época, era conhecida e já havia uns zunzuns de que eu andava metido nessas coisas "associativas" e com o "reviralho". "Sai ao pai", ouvi dizer que alguém do regime comentara um dia, numa tertúlia da "Pompeia".

"Tem de falar com o Sr. Barreira. É ele quem trata disso". Aparentemente, o sr. Barreira era quem "tratava" dos cadernos eleitorais. Era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Defesa central histórico do Sport Clube de Vila Real, com uma altura a rondar os dois metros, trabalhava, se não estou em erro, nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, que acolhia sempre muitos futebolistas. Como andava bastante em serviço externo, o sr. Barreira era pessoa difícil de encontrar. Andei dias até conseguir reunir com ele, o que teve lugar numa pequena sala da Câmara. Levei toda a papelada necessária para o ato de inscrição, que não era pouca. Estava tudo em ordem, podia "ir descansado". 

Mas eu não estava descansado. O sr. Barreira ficou claramente surpreendido, e até algo abespinhado, quando lhe disse que necessitaria de uma certidão da minha inscrição. "Aqui não passamos isso!". Respondi-lhe que, por lei, tinha direito a esse documento e mostrei-lhe as disposições legais que obrigavam as autoridades a atestarem, se assim fosse requerido, a inscrição nos cadernos eleitorais. "Mas se eu lhe garantir que está inscrito, não lhe chega?". Não, não me chegava. Nada tinha a ver com a palavra dele, derivava da minha desconfiança face ao regime (mas, claro, isso não lhe disse). "Vou falar com o chefe da secretaria. Mas o senhor está a criar um problema, sem necessidade". Expliquei que não prescindia da certidão (tinha aprendido isso num livro sobre legislação eleitoral, de José de Magalhães Godinho), que, se acaso me a não quisessem emitir, recorreria por requerimento para o Governador Civil. O sr. Barreira olhou para mim e, já mais sério, não se escusou a deixar cair: "Veja lá no que se mete!" Eu sabia no que me metia. E, alguns dias e outras diligências depois, lá obtive a desejada certidão. Que ainda guardo. E espalhei a notícia: depois de mim, várias foram as pessoas que, em Vila Real, se inscreveram nos cadernos eleitorais, nesse ano de 1969, embora não saiba quantos pediram uma certidão. Meses mais tarde, era tempo de "eleições" legislativas e eu por nada do mundo perderia o ensejo de exercer o meu direito de voto. Mesmo tendo a perfeita certeza de que então ganhavam "sempre os mesmos".

É também por isso, porque agora já não ganham "sempre os mesmos", porque lutei e corri riscos para poder ter uma palavra na escolha de quem me representará, que exerço o meu direito de voto. Que é também um dever, mesmo para aqueles que votam em sentido oposto ao meu, para quantos legitimamente decidem deixar o boletim em branco, como forma de marcarem o seu desagrado pelo leque de opções que lhes é proposto. Mas quem opta, pura e simplesmente, por não votar, por não "dizer" algo da sua vontade, perde um pouco a razão para depois vir a protestar contra as políticas que (quem vota) lhes impõem, torna-se num irrelevante "zero à esquerda" (ou "à direita") na vida cívica. 

sábado, maio 24, 2014

Candidato

Andar por Vila Real, neste tempo de eleições, lembra-me um ano em que por aqui fui candidato autárquico à presidência da Assembleia municipal. O meu principal adversário chamava-se Passos Coelho - não esse em que estão a pensar, mas o pai, médico na cidade. Foi há 17 anos. A lista pela qual eu concorria como independente, a lista do PS, estava à partida condenada à derrota, num concelho que, à época, era inabalavelmente PSD.

Estando no governo, tinha muito escassa disponibilidade para fazer campanha local. Intervim apenas num grande jantar na cidade, com largas centenas de pessoas, na presença de Almeida Santos, e num comício numa aldeia próxima. É desse que vou falar.

Uma noite, fui com o candidato à presidência da Câmara, Ascenso Simões, à Campeã. As freguesias rurais eram então a chave das sucessivas vitórias do PSD, dado que a cidade já então tinha "virado" à esquerda. Havia, por isso, que tentar inverter aquelas onde o desequilíbrio não era tão acentuado, onde havia hipóteses, ainda que remotas, de ganhar a Junta de Freguesia. A Campeã era uma delas.

O espaço coberto do comício, com toda a gente de pé, não era muito grande. Mas, surpreendentemente, estava bastante cheio. Embora a nossa entrada não tivesse provocado um especial júbilo, notei a juventude maioritária daqueles que nos iam ouvir e, cá para mim, devo ter pensado: "Isto é malta nova! Pode significar alguma coisa".

Lá fomos para o palanque e começaram as arengas. Depois dos responsáveis locais e do candidato à Junta, antecedendo a "estrela" que era o candidato à Câmara, falei eu, aí por uns dez minutos. Sem grande prática deste tipo de exercícios, não trazia a "cassette" que as repetidas intervenções eleitorais sempre justificam. Imagino que deva ter tratado das carências em acessos viários e em saneamento básico, bem como de uma ou outra ideia "desenvolvimentista", provavelmente referindo a Europa, que à época me ocupava.

Para o que aqui interessa, devo dizer que fui verificando que a reação das pessoas não era excessivamente entusiástica, face àquilo que eu dizia, "to say the least". Aquela gente jovem ouvia-me com um ar algo neutro, respondendo com manifesta parcimónia às palmas que, a espaços, alguns "claqueiros" partidários iam estimulando, estrategicamente espalhados pelo espaço do comício. Sem especial jeito para a função oratória, eu continuava a lançar algumas "catch-phrases" que achava adequadas ao terreno, às vezes num tom esforçadamente irónico e humorístico, com o mínimo de agressividade política que a situação justificava. No final, aqui entre nós, fiquei com a sensação que foi com algum alívio que o auditório me viu terminar o discurso. Talvez as palmas, simpáticas, com que foi acolhido o termo da minha intervenção significassem isso mesmo. Pouco mais.

Já no automóvel, inquiri da avaliação que os "experts" políticos locais haviam feito do exercício. "Não esteve mal", foi o mais entusiasmante que ouvi. Até que um deles disse, críptico: "A sala estava "composta". A banda foi boa ideia!".

A banda? "Que banda?", perguntei, surpreendido. Foi então que soube que, após o comício, subiria ao palco onde estivéramos uma banda de música "pimba". Aquela gente jovem que enchia o espaço, que eu ingenuamente pensara ali congregada pelo apelo da "boa nova" do socialismo transmontano, mais não estava do que a tomar lugar para o concerto que logo nos sucederia. Estava assim bem explicada a relativa "secura" da receção. No caminho de regresso a casa, fui imaginando a animação que deveria ir então por aquela sala, agora já liberta das palavras da política e tomada pelos êxitos de Ágata, Emanuel & companhia.

O dia mais estúpido

A imprensa portuguesa vive, neste sábado, o seu dia mais estúpido. Embora a campanha eleitoral europeia tenha estado muito longe de mobilizar a atenção da generalidade da população, a questão política, fruto das decorrências da situação social e económica, é uma temática muito presente nas preocupações de muitos de nós. E ainda bem. Porém, quem abrir a imprensa de hoje, quem olhar para os telejornais televisivos, ficará com a ideia de que o país se divide entre os adeptos dos Rolling Stones e os dos dois clubes madrilenos que disputam a final da Champions em Carnide. A isso se somam, em páginas e páginas, os "casos" da Justiça, os desastres e outras "buchas" de redação que resultam desta antecipada "silly season", forçada pela bizarra lei que nos governa. E que nos impõe, em exclusivo, as aventuras do "Palito" e as patetices dos treinadores de futebol.

Acho perfeitamente normal que a campanha eleitoral, na ação dos partidos, cesse à meia-noite da antevéspera do escrutínio. Mas considero um atestado de indigência mental aos portugueses o facto da comunicação social portuguesa, em termos informativos equilibrados, não poder trazer hoje uma normal cobertura do que ontem se passou na campanha, que não possam ser publicados artigos de opinião com, por exemplo, uma balanço do que nela foi dito. Com todo o respeito que a democracia me merece, mas também com toda a liberdade que ela me concede, devo dizer que este "black out" informativo me "cheira" muito a censura estadonovista. A nossa democracia não precisa de tutelas. Os portugueses não são, em geral, estúpidos e os que eventualmente o são não seriam nunca em número suficiente para determinarem, por influência perniciosa de última hora, o resultado das urnas.

sexta-feira, maio 23, 2014

Mónaco


Este fim de semana, tem lugar o Grande Prémio de Mónaco, em Fórmula 1. Os automóveis não me dizem rigorosamente nada, nunca dei um passo para ir ver uma dessas competições, fosse no Estoril, fosse noutros circuitos próximos de várias cidades onde vivi. Contudo, talvez tivesse gostado de ter ido um dia "às corridas" ao Mónaco. Como primeiro embaixador português no Principado, teria aliás sido fácil fazê-lo mas, por uma qualquer razão, nunca me organizei nesse sentido. Mas sempre me seduziu aquela feira anual de vaidades, um circuito onde a destreza conta mais do que a velocidade, onde o ambiente circundante, como a imagem ilustra, acaba por rivalizar com a importância desportiva do evento.

Ao longo de alguns anos, estive por diversas vezes no Mónaco, tanto em períodos em que a cidade tinha um ar calmo e quase provinciano como em momentos de grande agitação, em festas nacionais ou no casamento do príncipe Alberto, em que representei o nosso país. E é a propósito do príncipe que recordo aqui uma historieta com alguma graça.

Uma noite, em Paris, ainda antes de estar "acreditado" no Mónaco, fui jantar a casa de uns amigos. O convidado de honra era o príncipe Alberto. É um homem muito cordial, nada "poseur", bom conversador, que me falou com agrado do modo como, pouco tempo antes, fora recebido em Portugal e, muito em especial, nos Açores. Ao final da noite, que se prolongou mais do que esperado, dei-lhe conta que, no dia imediato, estaria presente num almoço com empresários e políticos, em que ele falaria sobre os esforços que o Principado estava a fazer para harmonizar as suas regras fiscais, fugindo às suspeitas que o seu estatuto de "paraíso" estavam a levantar. Simpático, o príncipe, retorquiu-me: "Coitado de si! Esteve aqui a ouvir-me toda a noite e amanhã vai ter de aturar-me de novo..."

No dia seguinte, num conhecido clube, fiquei colocado numa mesa redonda, perto da porta de entrada no salão, onde largas centenas de pessoas iam almoçar e ouvir o príncipe. Pela "geografia" da minha mesa, fui praticamente das primeiras pessoas com quem o príncipe Alberto deparou, ao entrar na sala. Ao ver-me, e recordado da cara com quem estivera a conversar até poucas horas antes, fez um largo sorriso e saudou-me de forma bastante efusiva. Vários dos meus colegas embaixadores, presentes na sala, ficaram visivelmente surpreendidos com o gesto e, no final do almoço, vieram inquirir de onde é que vinha aquela minha "intimidade" com o príncipe monegasco. Aí, confesso, não resisti e, com grande gozo, antes de mais tarde lhes revelar a verdade da circunstância, deixei cair para alguns: "O Alberto?! Oh! Grandes noitadas passámos juntos..." 

quinta-feira, maio 22, 2014

A Europa dos medos

A Europa foi construída pelo medo. Foi o medo à reedição do conflito franco-alemão que desenhou os primeiros esquiços do processo comunitário, que viria a redundar na União Europeia que hoje conhecemos. Foi o medo à União Soviética, que despudoradamente se "plantou" no Centro e Leste do continente, que reforçou a unidade dos "seis" que escolheram Bruxelas como sua capital. Por isso, alguns não hesitam ironicamente em colocar Estaline entre os seus "pais fundadores", quase ao lado de Robert Schumann e Jean Monnet. 

O processo de densificação e aprofundamento da cooperação entre os Estados, que conduziu a um notável processo de desenvolvimento coletivo e a um tecido cada vez mais ambicioso de políticas comuns, tornou-se sedutor e apelativo, o que levou à vontade de muitos outros Estados de se juntarem ao "clube", com fortes impactos no aumento da diversidade do conjunto, com efeitos detrimentais na unidade do processo.

O medo europeu mudou agora de natureza. Da Europa do entusiasmo, pela partilha positiva de soberanias, com ganhos de escala em que todos teriam a ganhar, com fronteiras abertas que facilitariam as trocas e embarateceriam custos, passou-se, em poucos anos, a um tempo em que as velhas nações se sentiram ameaçadas na sua identidade. E num mundo contemporâneo em que o "politicamente correto" já (ou ainda?) não permite, por lei, determinar a preeminência das suas culturas ou a "preferência europeia", o populismo salta com facilidade e despudor a terreiro e acena com o espetro do estrangeiro, da imigração, do perigo da diferença, da perda da identidade. É o velho medo de volta, só que de sentido contrário. Daí ao apelo ao regresso à comodidade familiar da nação, ao desmantelar do projeto que trouxe paz e segurança por décadas. O regresso à Europa das nações. Que foi o berço da Europa da guerra, convirá lembrar.

Hoje, um artigo do antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, está a marcar o termo da campanha eleitoral europeia. Nele, nomeadamente, propõe-se o fim do acordo de Schengen e a transformação da União num mero diretório de potências que "tomariam conta" dos restantes Estados. Esta é a solução fácil de uma certa linha política aos novos medos que a crise, o desemprego e a crescente incerteza instalaram um pouco por toda a Europa. 

Estas ideias devem merecer uma resposta. Como sempre, a resposta ao medo continua a ter um único nome: coragem. Haverá?

A trabalhar numas ideias

Conheço-o há muitos anos. Mas vemo-nos muito pouco. Não posso sequer dizer que sejamos amigos, somos apenas conhecidos, embora com forte cordialidade no relacionamento. Confesso que nunca o levei muito a sério e ele deve tê-lo pressentido ao longo dos tempos, pelo que mantém comigo uma atitude que tem por detrás uma difusa tensão. É uma pessoa culta, bem preparada, informada, com alguma graça, de quem, potencialmente, se espera alguma obra. E da boa. Quando, por acidente, nos encontramos, quase sempre com anos de intervalo, temo imenso perguntar-lhe como anda a sua vida. Porquê? Porque nunca está "em nada", está sempre a caminho de ir fazer alguma coisa. Fala-me de planos, de projetos, de ideias. Nunca de nada feito, concretizado. Não sei bem como e de que vive. Eu receio inquirir, com medo de o poder ofender ou afetar a sua privacidade. Curiosamente, ele, sem limitações, como num "preemptive strike", refere-se, "de cima", à minha própria vida profissional ("então li que agora andas pelas empresas? Olha p'ró que te havia de dar! Largaste as estranjas e as viagenzecas pelos Brasis?). Curiosamente, tem sempre o tempo muito ocupado. Quando nos cruzamos, numa esquina ou num café, nunca vem sem ser de passo apressado, um pouco inclinado para a frente, numa espécie de coreografia de movimento. Transmite quase a ideia de estar a perder o seu tempo, que lhe é precioso, conosco. De papelada na mão, tem uma agenda apertada ("saí agora de um almoço com Sicrano, em que estivémos a explorar uma ideia bem gira. Um destes dias, conto-te"). Refere outros encontros para "logo" ou "amanhã", bem como viagens futuras ("tenho de ir ao Porto para a semana, para estar com Fulano") ou passadas ("estive com Beltrano em Évora, em abril, para tratar de um projeto que estamos a preparar. Sou capaz de ter de ir à Islândia antes do Verão. Conheces alguém por lá?"). Deixa coisas no ar ("tens visto aquele tipo gordo, da Guarda, que era teu amigo? Preciso de falar com ele, para um estudo que estou a preparar") ou em que podemos vir a ser-lhe útil ("se calhar, vamos ter que falar um destes dias sobre uma coisa ligada lá às Necessidades. Dás-te bem como o teu colega em S. Marino?"). Mas logo deixa cair o assunto, que fica invariavelmente para "mais tarde". Quando lhe lembro, quase só para alimentar conversa, uma ideia que em tempos me tinha dito que andava "a trabalhar", na última vez em que faláramos, diz-me, com o despreendimento de quem tem uma "carteira" de tarefas incompatível com essa coisa que se revelou menor: "É pá! Larguei essa cena há muito! Não dava!". E passa à frente, rumo ao futuro que sempre lhe alimentou o presente. Uma coisa é certa: quase todos os nomes que cita, gente com quem falou ou vai falar, são pessoas credenciadas. Cultiva, assim, junto dos amigos, uma espécie de currículo feito dos conhecimentos que alega ter, e que, aliás, nem sequer duvidamos que de facto tenha. O que nos poderia conduzir, no fim da conversa, a ficarmos com a noção de que ele está, de facto, "a colaborar" com esses nomes mais ou menos sonantes, podendo ficar nós na expectativa de o ver associado ao respetivo trabalho. Só que, lá no fundo, todos os que o conhecemos, em especial essas pessoas, sabemos, de ciência segura, que tal acabará por nunca acontecer. Mas ele, ao contrário de nós, não desiste: continuará a "trabalhar numas ideias". Será feliz?

quarta-feira, maio 21, 2014

De esquerda

Um velho amigo, que a saúde fez sair da vida ativa prematuramente, tinha uma fórmula imbatível para analisar quantos se diziam "de esquerda". Ao tempo do 25 de abril, com o surgimento de partidos das várias esquerdas, desde as extremas a alguns tão moderados que quase se diluíam na direita, muitos de nós, sob o radicalismo da época, interrogavamo-nos sobre se tal pessoa ou tal formação eram mesmo de esquerda. Aí surgia o António, com um sorriso, a esclarecer: "para mim, as coisas são muito simples: a esquerda "sou" eu e é pela aproximação ou não às minhas ideias que eu "meço" se uma pessoa ou um partido é ou não de esquerda".

Sempre achei a fórmula muito prática, embora conceda que, ideologicamente, é um tanto arrogante.

terça-feira, maio 20, 2014

Twitter

Agora "deu-me" para o Twitter (@seixasdacosta). Alguém me convenceu da graça que tem poder "meter" mensagens em 140 carateres. Não sei quando me vou cansar. Mas não custa tentar.

Lei de Murphy

Quando alguma coisa pode correr mal, acaba por correr mal. Às vezes, esta "lei de Murphy" funciona.
 
Uma das tragédias da situação económico-financeira portuguesa é que o essencial daquilo que pode influenciá-la é totalmente independente da vontade nacional. Foi assim para a descida dos juros, que permitiu o ambiente desanuviado em que se processou a "saída limpa" da fase "troika" do processo de ajustamento, como, no dia de hoje, o está a ser para o "mau humor" dos mercados, que reverte essa tendência para todos os países da periferia. Por mais bem "comportados" que sejamos.
 
Ao que dizem os especialistas, os tais mercados antecipam uma evolução europeia mais cética a partir de domingo mas, no que é mais importante, já perceberam que o Banco Central Europeu está limitado no seu leque de opções para contrariar as tendências deflacionistas e, muito em especial, que se sente sem legitimidade política para avançar no chamado "quantitative easing" - um neologismo que designa a sua possível ida ao mercado de produtos da banca e de outras instituições financeiras privadas, que iria muito para além da sua tradicional intervenção de atenuação das dívidas públicas.
 
Por tudo isso, e não por qualquer teimosia negativista, é que alguns prudentes observadores eram favoráveis ao "programa cautelar" e condenaram o facto do governo o não ter tentado, deixando aos parceiros europeus o ónus da sua inviabilidade conjuntural.
 
Mas pode ser que isto - a atitude dos mercados - não seja mais do que o surgimento de nuvens passageiras, que trazem uma chuva de verão e algum arrefecimento. Como hoje também está a acontecer com o nosso clima. Pode ser. Seja ou não seja, nada podemos fazer para o evitar. E essa é a nossa sina.

segunda-feira, maio 19, 2014

A direita

Não sei se tem ainda a ver com efeitos do 25 de abril, mas, contrariamente à esquerda, que se afirma abertamente, a direita portuguesa esconde-se quase sempre por detrás de alguns heterónimos - como  "conservador", "liberal" (este, quase sempre a medo, porque "neo-liberal" surge com carga negativa) ou, no máximo das ousadias, sob o conceito de "centro-direita" (durante muito tempo ser "do centro" era a mesma coisa). Muitos comentadores desse setor (Marcelo Rebelo de Sousa dizia ontem na TVI que 2/3 dos comentadores são ligados ao PSD) ou procuram neutralizar-se ou usam um curioso eufemismo - "não são de esquerda".

Porque as sociedades só ganham em ser transparentes, gostaria de ver a direita portuguesa assumir-se como tal. Temos hoje, por exemplo, talvez o governo mais à direita da nossa História democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros dizer isso mesmo, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, quando alguém afirma que se trata de um governo de direita sente-se que ficam ofendidos, como se isso fosse um insulto, como se tivessem vergonha de não ser de esquerda.

Alguns dirão: mas se nos afirmamos como "de direita", a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", liga-nos ao tempo da ditadura. Sabem por que é que isso acontece? Porque muita direita se sente na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, porque deixa cair, a espaços, alguns elogios ínvios a parte desse passado, porque não soube criar um "firewall" entre um pensamento contemporâneo de direita e as brumas sinistras da ditadura. Vê-se isso muito nos blogues ditos "liberais". Muitas das pessoas de direita em Portugal não fizeram ainda o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando o fizerem, quando conseguirem assumir uma denúncia aberta desse passado, a esquerda mais agressiva deixará de ter espaço para os atacar por isso, fazendo-o apenas no terreno das ideias atuais. Enquanto a direita democrática continuar envolvida num conúbio com a direita cavernícola, com o caceteirismo miguelista, isso não será possível.

Por isso, no dia em que nasce o jornal informático "Observador", marcado por uma linha claramente de direita, aliás muito consentânea com os apoios financeiros de que dispõem e com os objetivos de sociedade que pretende, sinto pena em não ver isso mesmo assumido com clareza pelos seus responsáveis. Mas não: o máximo que surgiu, nos textos que acompanharam o lançamento do seu "site", foi a nota de ser de orientação "liberal". Ora bolas!

Já é tempo da direita portuguesa, a direita democrática que não tem realmente "esqueletos no armário" do tempo do Estado Novo, afirmar com orgulho o que é, defender as suas ideias e os seus projetos, ir à luta, sem disfarces. Embora, nem por um momento, alguma direita nisso acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.

Em tempo: porque o "esbatimento" entre esquerda e direita faz parte do debate, aqui deixo o clássico pensamento do filósofo francês Alain: "Lorsqu'on me demande si la coupure entre partis de droite et partis de gauche, hommes de droite et hommes de gauche, a encore un sens, la première idée qui me vient est que l'homme qui pose cette question n'est certainement pas un homme de gauche".

Parabéns

Este é um blogue sportinguista. Assumido. Mas, sejamos justos, esta foi a época do Benfica, durante a qual ganhou, e bem, tudo o que por cá havia para ganhar, tendo perdido, por um conjunto de azares, circunstâncias e culpas várias, uma taça europeia. Não vou relativizar estas vitórias com a invocação de quaisquer desculpas. Ganhou e, pelo futebol que mostrou, ganhou merecidamente.

O Benfica é dirigido por um treinador cuja expressão às vezes roça o caricato, tem um presidente com uma "gravidade" que custa, muitas vezes, a levar a sério. Devo confessar que, sempre que os vejo na televisão, ambos me fazem rir. Mas convém não esquecer que esse presidente, há precisamente um ano, contra tudo e contra todos, apostou na continuidade desse mesmo treinador, mesmo depois de uma época dececionante. E tinha consigo toda a razão. E o treinador, para além da bizarria do seu estilo, provou que é um homem que sabe muito de futebol. Chama-se a isto profissionalismo e boa gestão. E isso, no futebol, como Pinto da Costa o tem provado no Porto há muito tempo, é a condição essencial para o sucesso.

Por tudo isso, aqui deixo os meus parabéns, sinceros, aos meus amigos benfiquistas. Neste ano em que Eusébio desapareceu, esta foi a melhor prenda póstuma que lhe poderiam ter dado. Sendo o Benfica o clube português com mais adeptos, a maioria do povo português deve andar mais satisfeita. Esta é a única maioria à qual, nos dias que correm, desejo alguma alegria (embora "breve", como escreveu Virgílio Ferreira).

Deve ser defeito meu...

Pedro Abrunhosa é, como pessoa, uma figura que me merece simpatia. De há muito, sinto-me próximo de algumas das suas atitudes cívicas e parece-me ser um homem inteligente.

"Having said that", como dizem os anglosaxónicos quando querem fazer um contraponto, desde sempre achei que Abrunhosa anda, por assim dizer, "a gozar" um pouco conosco. Ainda que a sua linha melódica seja agradável, a sua voz é fraca e, com escassíssimas exceções, as suas letras são muito limitadas. Há pouco, na televisão, numa gala, ouvi com atenção uma canção que criou a propósito dos novos emigrantes, um choradinho algo demagógico com um sentido um pouco oportunista. Nele, "casa" rima com "asa" e com "brasa", "bala" com "mala", "Paris" com "raiz" e tem coisas com a densidade lírica de "voam pombas no beiral".

Volto a dizer: Abrunhosa é um homem inteligente e o seu sucesso é a prova de que consegue levar água ao seu moinho.  

domingo, maio 18, 2014

"Welcome to Trofa!"

"Welcome to Trofa", foi a saudação com que ontem Paulo Rangel acolheu Jean-Claude Juncker, na deslocação ao Norte de Portugal do candidato conservador à chefia da próxima Comissão europeia. Juncker fala bem inglês, muito embora essa não seja uma das três línguas do seu país. Mas posso supor que Paulo Rangel já faça parte de uma geração portuguesa para quem o francês é uma língua menos cómoda.

Dito isto, este post é menos sobre o cosmopolitismo linguístico e mais sobre as críticas que, segundo a imprensa, Juncker deixou ao "programa socialista de governo", que alguém lhe deve ter traduzido. É pena que Juncker não se tenha informado melhor antes de se pronunciar. Se acaso tivesse falado com alguns dos vários amigos socialistas que tem em Portugal, eles ter-lhe-iam explicado que esse programa ainda não existe, que naturalmente só deverá aparecer quando eleições legislativas estiverem à vista.

Mesmo assim, antes que alguma vestal rosa se ponha para aí a falar de "ingerência" ou coisa do género, é importante deixar claro que, passando as instituições comunitárias a ter uma dimensão de escolha nacional, projetando-se cada vez mais as grandes formações políticas europeias na nossa vida interna, temos de nos habituar a que estas figuras mandem os seus "bitaites" sobre opções dessa nossa ordem política. É a vida, como diria alguém que espero que, em breve, ande por aí de novo.

Juncker não é o candidato socialista. Mas, aqui entre nós - e só espero que os socialistas não me oiçam! - é um excelente candidato, um homem sério e que já provou ser nosso amigo, um europeísta que, por exemplo, sabe bater o pé à Alemanha.

sábado, maio 17, 2014

Telefonema

Foi há minutos. Telefonema de uma amiga.
- Então hoje não pões nada no blogue?! Logo no dia em que alguns jornais falaram de ti?!
- Mas achas que escreva sobre o que publicaram?
- Claro! Seria estranho que não o fizesses...
- Mas para dizer o quê? Queres que diga que é mentira ou que pode ser verdade?
- Sei lá! Qualquer coisa! O que será estranho é que não fales do assunto...
- Estranho? Mas eu não tenho nada a ver com o facto daquilo ter surgido!
- Isso sei eu!
- Então achas que vou dar importância ao que diz um jornal?
- Um, não! Eu li em dois! Com fotografias e tudo!
- Ou isso! Dois. Nem que fossem três! Uma especulação não passa de uma especulação só porque é repetida.
- Mas é verdade ou não é?
- Se eu te disser que não é verdade, já sei que vais acreditar nos jornais, não é?
- Bem, de facto...
- Então não vale a pena eu escrever nada, não achas?
- Pronto! Já vi que não vais pôr nada no blogue!
- Vou.
- Ah! Bom! E o quê?
- Vou pôr esta nossa conversa.
- Livra-te!

sexta-feira, maio 16, 2014

"Made in France"

O governo francês, sob a inspiração do seu novo ministro da Economia, Arnaud Montebourg, decidiu publicar uma legislação destinada a condicionar a aquisição de empresas francesas por capitais estrangeiros. Vivendo nós no país em que vivemos, onde a ânsia liberal de "vender o país" leva tudo à frente, parecerá bizarra esta atitude de nacionalismo económico. Mas não é isso que aqui hoje importa.

A decisão do governo de Paris tem diretamente a ver com a recente disputa em torno da tentativa de aquisição da empresa Alstom, que provocou fortes ondas internas de choque. Montebourg é conhecido por ser um acérrimo defensor do protecionismo económico, uma atitude que, desde há muito, está no ADN dos franceses, à esquerda ou à direita do espetro politico. O facto das eleições europeias estarem à porta é também um fator que ajuda a entender esta posição.
 
Pelo que vi escrito sobre a nova legislação, ela parece-me, em absoluto, não conforme com as normas do "Mercado interno" comunitário, que a França livremente subscreveu nos tratados europeus e que, ironicamente, é tutelado, no seio da Comissão, pelo comissário francês Michel Barnier. Quero com isto dizer que teremos um inevitável processo de contencioso à vista. Enfim, como se diz na banda desenhada francófona, "à suivre"...

quinta-feira, maio 15, 2014

Vida de nababo!

Quem nunca ansiou dormir uma noite num quarto hiper-requintado como o que a fotografia mostra à evidência, com um mobiliário de design "de autor", colocado num espaço com cores apelativas, "ton sur ton", fruto de uma  decoração de altíssimo nível internacional? Olhem bem! A elegância falsamente discreta da madeira (mogno, pela certa) da cabeceira da cama. Não é um sonho? Pois esse sonho pode realizá-lo, no próximo sábado (noite da final da "Champions" em Lisboa), se se decidir pagar 5000 (cinco mil) euros, neste hotel situado no Chiado, em Lisboa.
 
Um hotel - não é uma pensão, não senhor! - que injustamente não aparece referenciado nos "Leading Hotels of the World", que a inveja faz com que não integre (ainda!) os "Relais & Chateaux", mas que, com garbo, cobra um preço ao nível de famosos 5 estrelas do mundo. Ah! e tem pequeno-almoço incluído, claro. 
 
Despachem-se porque, há minutos, já só tinha um quarto vago!

A oração

A historieta que vou contar passou-se em 1988. O Benfica disputava a final da antiga Taça dos Campeões Europeus, em Estugarda, na Alemanha, contra os holandeses do PSV Eindhoven. De Lisboa, tinham partido muitos aviões e eu estava - já nem sei bem porquê! - entre os convidados para ver o jogo, em que se contavam imensos sportinguistas, que iam abertamente apoiar o Benfica. O nosso grupo era divertidíssimo e lembro-me que Miguel Esteves Cardoso escreveu uma crónica imperdível sobre aquela experiência.

O partida foi difícil, com as chuteiras dos jogadores do Benfica a descalçarem-se, por inexplicadas razões. Ao final do tempo regulamentar, o resultado era um nulo. Foi-se para prolongamento e tudo se manteve igual. Restavam os penáltis. E é aí que a cena se passa.

José Vera Jardim, um sportinguista dos sete costados, voltou-se para outro grande "leão", o padre Vitor Melícias, e apelou:

- Ó padre Melícias. Contamos com umas oraçõezinhas suas para os penáltis!

Vitor Melícias quebrou a nervoseira geral, naquele momento algo tenso, com a sua pronta resposta, no tom de voz tão típico que é o seu:

- Orações?! Essa agora! Eu já aguentei isto a "pai-nossos" e "avé-marias" até ao final do prolongamento. Agora, para os penáltis, só o cardeal patriarca!

O cardeal não estava lá e o Benfica perdeu nos penáltis. Como ontem.

Monarquia

Os monárquicos portugueses comemoram, na data de hoje, o nascimento daquele que consideram o herdeiro legítimo da antiga coroa. Trata-se de um homem simpático, cordial e patriota, que acarreta consigo o sonho da restauração desse regime que a nova República derrubou em 5 de outubro de 1910.
 
Talvez valha a pena recordar que a diplomacia portuguesa está ligada ao nascimento, em 15 de maio de 1945, dessa criança, a quem a família decidiu dar o nome de Duarte (o nome completo é Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança!). Com efeito, foi na Legação portuguesa em Berna, na Suíça, que esse nascimento teve lugar. E a curiosidade maior advém do facto de, sob os pés da cama onde o parto ocorreu, terem sidos colocados pedaços de terra idos expressamente de Portugal, para melhor marcar o "solo português" onde o acontecimento tinha lugar.
 
Não tenho mais pormenores - embora já os tenha lido algures - sobre a conjuntura que permitiu a utilização da nossa residência diplomática para esse fim. Com efeito, os herdeiros da "casa de Bragança", que aliás não derivam em linha direta do último rei, só cinco anos mais tarde foram autorizados a viver em Portugal, prevalecendo até então o banimento que a Constituição salazarista de 1933 havia acolhido da sua antecessora de 1911.
 
Com a tolerância que a minha República permite, deixo aqui a imagem da velha bandeira que vigorou até 1910, a qual, aliás, considero até esteticamente mais bonita que aquela a República introduziu. Mas que não reste a mais leve dúvida: a bandeira introduzida pela República é, para mim e para sempre, a única bandeira de Portugal.  

Scolari

Um peculiar sentido do tempo é algo que nos habituámos a ligar à Justiça portuguesa. Ela tanto deixa prescrever processos, como os prolonga por eternidades, como escolhe momentos particulares para os fazer emergir à luz do dia, neste caso através de "fugas" que alguém combina com uma comunicação social ávida de títulos escaldantes.

Vem isto a propósito de Scolari e das suas alegadas dívidas ao fisco português. É no mínimo estranho que o labéu de arguido ao antigo selecionador português, num processo que se reporta a factos ocorridos há largos anos, surja a público precisamente a escassas semanas do início do campeonato do mundo, onde o Brasil, dirigido por Scolari, joga uma aposta que vai muito para além da bola. Para muito cidadão brasileiro a quem esta notícia deve estar a chegar - nada habituado ao consabido rigor, precisão e eficácia da máquina judiciária portuguesa - esta coincidência vai ser lida como um fator oportunista de desestabilização, num torneio onde Portugal é também interessado. E isso vai ajudar a alguma lusofobia sempre recorrente.
 
Só nós, portugueses, temos a certeza de que nada foi de propósito. Conhecendo-a como conhecemos, todos sabemos que a Justiça portuguesa seria incapaz, de forma deliberada, desta precisão temporal. 

"For the record"

Vejamos como fica, ao final da noite de ontem, o "ranking" português nas três competições europeias:

Liga dos Campeões - Benfica e Porto, 2 títulos cada (em 58 edições)
Liga Europa - Porto, 2 títulos (em 46 edições)
Taça dos Vencedores das Taças - Sporting, 1 título (em 39 edições)

quarta-feira, maio 14, 2014

Dias de Portugal

Ontem foi Fátima. Hoje foi Futebol. Amanhã será Fado?

Passado presente

Salazar saiu da chefia do governo há quase 45 anos. Hoje, almocei num local público, perto de uma mesa onde preponderava um seu antigo ministro, que aliás já não fez parte dos seus últimos governos.
 
A democracia dá saúde!

terça-feira, maio 13, 2014

Dois passos atrás

O meu amigo José Bouza Serrano, um embaixador da República que se diverte como ninguém com essa coisa das monarquias e da aristocracia, colocou hoje no seu Facebook uma foto de Philip de Edimburgo, que aqui "roubo".

Há uma arte que ninguém, como o príncipe Philip, duque de Edimburgo, marido da raínha Isabel II de Inglaterra, domina: estar sempre dois passos atrás da soberana, garantindo, não obstante, um lugar com suficiente proeminência na cena, a que a sua estatura também ajuda. Do príncipe, a História não reteve grandes tiradas e, bem pelo contrário, fixou mesmo algumas "gaffes". Não deve ser fácil ser príncipe consorte, mas, jogando o trocadilho, ele tem, no entanto, a sorte de sê-lo de uma raínha que é uma excelente profissional na função que exerce.
 
Conheci há já uns bons anos, na Noruega, uma simpática colega, diplomata equatoriana, de seu nome Marta Dueñas. Era casada com um norueguês "muito norueguês", daqueles que construíam (não sei se ainda constroem) as próprias casas familiares de madeira, ao longo de vários meses ou mesmo anos. Chamava-se Erik e recordo-me que tinha um humor já algo "sulista", por virtude do convívio com os amigos da mulher, como era o nosso caso.
 
Um dia, o Erik contou-me uma troca de palavras que teve com o príncipe Philip, durante uma visita de Estado da soberana britânica à Noruega. Como era de regra, após o jantar oficial, o protocolo ia convidando os diplomatas, por uma ordem vagamente próxima da respetiva antiguidade, para se aproximarem do rei norueguês - à época Olav V - e da sua convidada. Numa linha mais atrás, o príncipe Philip exibia o seu sorriso e deixava cair alguns comentários.
 
Quando a diplomata equatoriana e o seu marido foram apresentados aos reis, o duque de Edimburgo acercou-se de Erik e, num aparte só ouvido pelo dois, comentou: "você e eu temos uma coisa em comum: são as nossas mulheres que trabalham!" Erik não sabia o que dizer: ele próprio tinha uma exigente profissão e vir a ser toda a vida "consorte" da mulher era a última coisa que lhe passava pela cabeça. Mas não quis desiludir o príncipe e deixou escapar: "De facto, é um privilégio estar na nossa posição..." Não contava com a reação de Philip: "Privilégio?! Isto às vezes é muito aborrecido, pode crer! Para si não é?". O norueguês, que detestava cocktails e jantares oficiais, a que só assistia por virtude da profissão da mulher, achou que tinha ganho espaço para uma graça: "Ao menos, bebemos uns copos!" Ao que Philip, sorrindo, respondeu: "Pois hoje, a mim, de nada me valeu ainda ser marido da raínha! Ainda não consegui que me servissem um scotch..."    

Surpresas

Houve um tempo em que costumava brincar com amigos brasileiros, que nunca tinham vindo a Portugal e que regressavam daqui deslumbrados com a modernidade da "terrinha", bem distante da imagem que a frequência do anedotário lusófobo neles havia instilado.

A esses amigos, eu costumava perguntar: "Então esperavam chegar a Lisboa e ser recebidos no aeroporto por uma velhinha vestida de negro, de bigode, a cantar o fado e a assar sardinhas?"

Depois da "Eurovisão", estou curioso em saber o que esperam eles encontrar no aeroporto de Viena.

Eu, germanófilo

O meu pai contava a história de um colega que, durante a guerra, se assumia como germanófilo, junto da maioria anglófila dos seus amigos. Passou anos numa solidão orgulhosa, para assim afirmar a firmeza dos seus ideais. Nos dias que correm, e em termos europeus, não me parece que qualquer das duas designações acarrete a menor popularidade.

Sou germanófilo? Não esqueço que devemos muito da Europa que temos à geração política alemã que, no pós-guerra, conseguiu ajudar a constituir as paredes da casa democrática europeia, num tempo de memórias trágicas, de ressaca de fortes traumas e de corajosos compromissos. Como português europeu, sinto-me tributário de um tempo em que contámos com a Alemanha para entender as dificuldades próprias de um Estado inelutavelmente periférico na geografia, recém-saído de uma ditadura que presidira às últimas décadas de um império alimentado contra o tempo. Considero-me para sempre devedor da atenção que um homem como Helmut Kohl dedicou a um país que lhe era distante, talvez porque tivesse entendido que, também nós, lutávamos para derrubar um "muro" que nos separava da esperança na consolidação da liberdade e na construção do bem-estar.

Para Portugal, a Alemanha foi, durante muito tempo, o "bom gigante" com o qual contávamos no seio da Europa, distante da atitude do outro parceiro do novo eixo dominante, da França, onde nos foi difícil superar o cinismo que uma figura como Giscard d'Estaing simbolizou como ninguém, no nosso processo de aproximação às instituições comunitárias. Com a Alemanha, para surpresa de muitos, comungámos no desejo de ver a Europa alargada a Leste, porque cedo entendemos que esse era o inevitável preço que havia que pagar pelo fim da União Soviética, abrindo uma janela de oportunidade para um novo equilíbrio geopolítico, que era também o nosso. Desde logo, pela unificação alemã, um primeiro "alargamento" nunca como tal assumido, por uma espécie de pudor reverencial.

Numa década, a Alemanha mudou imenso. Com o curso da recente crise financeira, alterou drasticamente o seu paradigma de relação intra-europeia e projetou de si própria a imagem de uma potência económica ainda longe da plena maturidade política, com uma atitude à altura do seu efetivo poder. A sua liderança na gestão da crise foi no mínimo patética, sempre arrastada pelos acontecimentos, em lugar de os pilotar. O modo como nela tem controlado as figuras maiores da máquina da União Europeia demonstrou arrogância, insensibilidade e acabou por afetar duradouramente a legitimidade política das suas instituições.

A Europa nunca será um país, pelo que, para ter hipóteses de afirmar-se no seu espaço e na força dos valores que projeta no mundo, necessita de ter no seu seio Estados fortes que tenham, simultaneamente, o sentido de compromisso em torno dos interesses comuns e a grandeza de os pensarem numa lógica que tenha a permanente preocupação de evitar ou diluir as clivagens. O respeito pelos mais fracos é o sinal mais importante dessa grandeza. Sinto cada vez mais saudades da Alemanha que aprendi a admirar e respeitar em Bona. A minha "germanofilia" é, dia após dia, posta em causa pelo que me chega de Berlim.

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

De acordo

Leio que a viagem do presidente da República à China vai ser coroada por um punhado de acordos. É da tradição diplomática aproveitar este tipo de deslocações para firmar alguns instrumentos negociais. Nem sempre os acordos são de natureza jurídica vinculativa. Muitas vezes não passam de meros protocolos de intenção ou de cooperação, mas é de praxe dar-lhes o estatuto geral de "acordos". Esgotado já muito do espaço para os acordos Estado-a-Estado (a pertença à União Europeia desviou muita da competência nacional nas áreas económicas), grande parte desses textos acabam por ser subscritos por responsáveis de entidades públicas, ou mesmo privadas, normalmente em cerimónias finais, sob a tutela, em fundo para a foto, dos chefes das delegações. 
 
Não é segredo para ninguém que, muitas vezes, e literalmente, esses textos não chegam a sair do papel. Mas, outras vezes, acabam por ter sucesso, abrem portas, em particular se estivermos em face de países em que a vontade das entidades políticas pode ter uma voz decisiva em certas decisões empresariais. Como é o caso da China.
 
Há umas décadas, integrei a delegação de um membro do governo português a um determinado país do norte de África. A visita fora preparada com alguma rapidez, as relações bilaterais no plano político estavam longe de estar desenvolvidas e o propósito essencial da nossa deslocação era muito específico. Não havia, assim, nenhum acordo para assinar.
 
Durante a reunião de trabalho do governante português com o seu homólogo local, este último inquiriu sobre se não havia nenhum acordo para ser subscrito. Murmúrios de ambos os lados da mesa confirmaram que não. O governante local não se mostrou conformado. (Recordo uma história similar que contei um dia aqui). No dia seguinte, a visita terminaria com uma conferência de imprensa e não "parecia bem" que a ocasião não fosse coroada com a assinatura de um qualquer texto. Mas o quê? 
 
Pelos mais de três anos que passara na Direção-geral dos Negócios Económicos do MNE, eu tinha uma grande experiência de "produção" de acordos na área económica. Nesse período, subsequente ao 25 de abril e num tempo de alargamento da nossa rede de relações bilaterais, muitos instrumentos jurídicos haviam sido firmados com dezenas de países - no meu caso, da África, Ásia e Oceania. Assim, e não sem algum gozo, disse que não teria dificuldade, se o chefe da delegação portuguesa assim concordasse, em gizar, com um colega desse país, o texto de um "Acordo geral de cooperação económica, científica e técnica". Esses eram os chamados "acordos-quadro", uma espécie de declarações de intenção, na base dos quais se poderiam estabelecer, mais tarde, outros instrumentos mais específicos e até vinculatórios. Os "acordos-quadro" eram tão genéricos e inóquos que não havia o menor risco de incluir, como seu último artigo (e cito de cor): "Este acordo entrará provisoriamente em vigor na data da sua assinatura e, definitivamente, na data em que ambas as Partes concluírem a troca dos instrumentos de ratificação que confirme estarem cumpridos, em cada uma delas, os requisitos constitucionais que lhes são próprios". Raramente um acordo bilateral foi "produzido" tão rapidamente... Feito de "retalhos" de acordos similares que o arquivo do MNE desse país tinha em carteira, fui criando o texto, com um simpático colega desse país, à medida daquilo que sabia ser-nos aceitável. E, no último dia da visita, lá se assinou o "importante" texto, que, como seguramente salientado por ambos os governantes, consagrava "as excelente relações bilaterais entre os dois países". O que até era verdade...
 
Cerca de uma década depois regressei a esse Estado, nessa altura já na qualidade de "governante". Fui informado que havia um acordo para assinar, que vinha a ser negociado há meses. Já nem sei bem do que área técnica se tratava. Mas, ao lê-lo, não pode deixar de fazer largo sorriso. É que, do preâmbulo do novo acordo, constava expressamente: "Portugal e "o país tal", no âmbito do previsto no artigo "tal" do Acordo geral de cooperação económica, científica e técnica firmado em "tantos de tal", acordam em estabelecer um protocolo no domínio...". Lá estava a referência ao "meu" acordo! Ainda estará em vigor?    

Limites

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